Neste fim de ano, deixei de escrever resenhas para entender
o que se passou no Brasil, apenas através de linhas gerais. Examinei o governo
Bolsonaro, a novidade de 2019, comparando-o com o de Margaret Thatcher na
Inglaterra.
Destaquei três pontos nos projetos de ambos. O primeiro e
decisivo é a promessa de soltar as amarras do mercado. O segundo, a decisão de
impedir que o adversário jamais volte ao poder, no caso inglês o Labour Party.
E, finalmente, o terceiro, uma vontade de recuar a um passado idílico nos
costumes.
Thatcher disse numa entrevista de TV que admirava os valores
vitorianos e gostaria de vê-los de novo na Inglaterra. Apesar do avanço econômico,
as coisas deram um pouco errado para Thatcher. O Labour voltou com Tony Blair,
e o avanço do mercado acabou sepultando os traços morais do passado que ela
queria reviver.
Como já cumpri esta tarefa de examinar o conjunto, deixei de
tocar num tema que é muito presente no Brasil. Na verdade, queria levá-lo para
o ano que vem, no capítulo restos a pagar. No entanto, a aparição de centenas
de peixes-pênis na praia de Drakes, na Califórnia, acionou de novo sua
atualidade.
Os peixes-pênis, na verdade, são vermes que engordam e
assumem essa forma. Se aparecessem no Brasil, talvez fossem saudados pelo
governo, que é um dos mais fálicos da História de Brasil, no sentido de
associar o pênis ao exercício do poder.
Os fatos estão aí desde o princípio. Num momento é o golden
shower; num outro, o presidente Bolsonaro faz piada com o tamanho do pênis dos
orientais. Recentemente, uma fala gravada de Fabrício Queiroz avisava aos
funcionários de Flávio Bolsonaro: o MP preparou uma pica do tamanho de um
cometa para enterrar em nós.
O pênis é um instrumento de poder e agressão. Isso tem
inúmeras outras implicações. A primeira consequência histórica é o divórcio
cada vez mais profundo entre essa corrente bolsonarista e as mulheres.
A fixação se extravasa também para a política de armas, não
só nos projetos que detonam o Estatuto do Desarmamento, mas também nos gestos
cotidianos. Estão sempre esticando os dedos para um tiro hipotético, ou então
usando armas ostensivamente em lugares onde não têm nenhuma função, como um quarto
de hospital
Faz parte da mesma atitude o horror aos homossexuais.
Bolsonaro disse para um repórter que ele tinha uma cara terrível de
homossexual. Ele costuma usar terrível de uma forma ambígua, como usamos
bárbaro, por exemplo.
Independentemente do adjetivo, ele parece ver, e disse no
passado, o homossexualismo como uma tragédia familiar. Tudo isso, teoricamente,
pode ser trabalhado com o tempo. Não sei se o resultado será bom, nem quanto
tempo vai durar.
Bolsonaro caiu no banheiro e perdeu momentaneamente a
memória. Sei o que é isso, porque ja caí também num hotel de Porto Velho, em
Rondônia. Essa história de mudar de hotel nos engana; às vezes, no lusco-fusco
noturno, fazemos o trajeto do hotel anterior. O resultado é doloroso. Assim é
também na vida, enfrentar novas situações com o roteiro do passado.
Essas quedas são perigosas. Podem atingir o hemisfério
direito do cérebro e causar transtornos. O país esteve em risco, de certa
forma.
No livro “O homem que confundiu sua mulher com um chapéu”, o
grande psiquiatra Oliver Sacks, morto recentemente, conta um caso curioso. Seu
paciente, atingido no cérebro, não conseguia mais distinguir entre pessoas e
objetos, a própria perna com o sapato, por exemplo.
Felizmente, nada aconteceu de grave com Bolsonaro. Mas se a
queda levasse a parte de sua memória onde se concentram todos esses dramas,
talvez pudesse acordar despreocupado com tamanhos de pênis, orientações sexuais
diferentes.
Certas quedas no banheiro não servem para nada. Senti apenas
muita dor nas costas, e os enfermeiros do hospital público quase arruinaram meu
braço, pois aplicam injeções em muitos ao mesmo tempo.
Não esqueci nada, nem aprendi nada. O que não impede de
desejar que os outros sejam mais produtivos em suas quedas. O cérebro humano é
tão fantasticamente complicado que não custa nada esperar por um milagre.
Estamos num fim de ano, hora de olhar as coisas de forma
positiva. Em 2020, que sejamos como um capoeira, que, como dizia Vinicius de
Moraes, não cai, mas se um dia ele cai, cai bem.
Artigo publicado no jornal O Globo em 30/12/2019
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