Se as investigações irão
até o fim, é a expectativa de sempre, mas com a curiosidade diminuída no caso
do Bolsa
Família particular criado pelos Bolsonaro. O endereço do fim não é
obscuro, mais do que sugerido por indícios acumulados desde os primeiros sinais
do caso. Quase se diria que as revelações começaram pelo que seria o seu
final.
Logo de saída, um
cheque de R$ 24 mil, como restituição parcial de um empréstimo a quem
recebeu R$ 2 milhões na conta, não é explicação convincente. Tanto mais se o
cheque é de um sargento da Polícia Militar para a mulher de um então deputado,
estes já como presidente eleito e futura primeira-dama. A própria origem do
cheque pôs em dúvida a sua lisura, dada a ligação
do emitente com chefes milicianos.
Ao menos nove parentes da segunda mulher de Jair Bolsonaro,
Ana Cristina Siqueira Valle, foram funcionários nominais de Flávio Bolsonaro quando
deputado. Todos deixando parte do ganho com o sargento-coletor Fabrício
Queiroz. Alguns, nem moradores do Rio.
O interessado nas nomeações desses “laranjas” nunca seria
qualquer dos filhos Bolsonaro, que não conviveram bem com a nova mulher do pai.
Com motivo para as nomeações era o Bolsonaro ligado a Ana Cristina Valle e sua
família. Usou o gabinete do filho. Integrante do esquema de desvios,
portanto, e com autoridade de chefe.
No estágio atual do caso, o escândalo só tem olhos para
Flávio e suas (ir)responsabilidades. A propósito: até agora, bom trabalho do
Ministério Público do Rio e do Judiciário estadual. Seu relatório é minucioso,
rico em fatos apurados, extenso a ponto de cansar. Por ora, no entanto,
contribui para o fabricado esquecimento de feitos alheios. É o que se passa,
por exemplo, com uma contratada do gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara, a
senhora que não passou de vendedora
de suco de açaí, vizinha em Angra dos Reis do pescador, deputado e depois
presidente antiambientalista. Sem envolvimento dos filhos, era o chefe operando
em pessoa com recursos desviados, no mesmo esquema que beneficiou seu velho
amigo
Queiroz, aparentados e familiares de milicianos.
Queiroz, aparentados e familiares de milicianos.
Os indícios para uma investigação levada até o fim, no Bolsa
Família ativado pelos Bolsonaros, são numerosas. Mas nem assim levam a
esclarecimentos que não deveriam ser difíceis, mas parecem sê-lo. Ou, pior, por
serem dados como aceitáveis os fatos que fazem o escândalo.
Sabe-se que o bolsonarismo militar, com predomínio do
Exército, aprova a exploração econômica da Amazônia, a reconsideração
das reservas indígenas —duas teses que integram as diretrizes do
Exército há quase 50 anos—, apoiam a militarização das escolas, a mudança dos
financiamentos culturais, e por aí. Além disso, a presença de duas centenas
de militares
em cargos governamentais associa o governo e o Exército. A associação
não se dá com a ciência, a cultura, a redução da desigualdade em que o Brasil
foi declarado “caso mundial mais grave”, o desenvolvimento industrial,
alguma coisa grandiosa como país.
Reformados ou da ativa, os militares que integram esse
governo fazem parte de um esquema de poder. Não participam, aí, dos ramais
acusados ou suspeitos de ações, passadas ou não, como desvio de verbas
públicas, nomeação e exploração de funcionários fantasmas, conexão com
segmentos do crime, e outras.
Mas são parte do conjunto. Ainda que à margem dos fatos
escandalosos, integram sem ressalvas, e até com elogios, o mesmo esquema de
poder sob denúncias e suspeitas. O que lembra parte das palavras com que o
general Eduardo Villas Bôas, quando comandante do Exército, pressionou
o Supremo para bloquear a candidatura de Lula: “(...) resta perguntar às
instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país e das
gerações futuras (...)”.
Janio de Freitas
Jornalista
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