Precipitação e insônia os males de Bolsonaro são. Basta que
se congelem duas situações irracionais nas quais teve que recuar. Primeiro, a
nomeação do peripatético Vicente Santini, demitido depois de seu voo de Davos
para Nova Déli e novamente defenestrado. Depois, a declaração de que não
poderia resgatar os brasileiros confinados em áreas de risco da China: “Custa
caro um voo desses”, disse o capitão depois ter ouvido quatro ministros.
Novamente, recuou e fez o certo.
No primeiro caso (a recontratação de Santini), poderia ter
ficado quieto por 24 horas, durante as quais ouviria pessoas em quem confia. No
segundo (o dos brasileiros que estão na China), bastaria ficar calado, pedindo
aos çábios que lhe sugeriram a omissão que pusessem a cara na vitrine.
Sempre houve ministros prontos para repetir bobagens ditas
por presidentes. Apanham, mas colhem prestígio palaciano. Presidente repetindo
bobagens ciclópicas de ministros é coisa rara. Esse foi o caso do “custa caro
um voo desses”. A ideia de deixar brasileiros numa área de risco era bobagem em
estado puro, e o presidente foi jogado aos leões por um infeliz palpiteiro (ou
por felizes palpiteiros que preferiram ficar calados). Bolsonaro mexeu com a
relevância do cargo que ocupa.
Não se pode pedir que ele siga os melhores exemplos de seus
antecessores, mas pode-se lembrar a conduta de Dom Pedro II numa situação
inversa, na qual ele poderia ser suspeito de trazer um micróbio indesejável. Em
1871 o imperador viajava para a Europa como Pedro de Alcântara, um cidadão
qualquer, e seu navio aportou em Lisboa. Passageiros vindos do Brasil tinham
que se submeter a uma quarentena, indo para o Lazareto. Ofereceram-lhe um passe
livre e, em voz alta, ele o recusou, submetendo-se a uma quarentena de que
durou oito dias. Escreveria: “Estou no Lazareto, uff!”
Dom Pedro passou para a História escondendo suas opiniões.
Bolsonaro quer entrar nela, disparando-as como se fossem rojões de réveillon.
Sabe-se que ele padece de um sono irregular. Em março passado, intitulou-se
recordista brasileiro de apneia, com 89 interrupções do sono a cada hora.
Tomara que resolva esse problema, pois ele mesmo reconhece que fica “saturado”,
a ponto de não querer ouvir o que houve no Enem. Uma anomalia do sono pode
explicar suas saturações, mas não consegue justificá-las, até mesmo porque,
dando-se conta do erro, às vezes dá meia volta.
O exercício de uma presidência espetaculosa é um direito de
seu titular e em algumas ocasiões funciona. Tendo nomeado Regina Duarte para a
Secretaria da Cultura, Bolsonaro colocou-a debaixo dos holofotes. Por enquanto,
a presença da atriz no governo é uma reaparição da Viúva Porcina, da novela
“Roque Santeiro”, num cenário vetusto. Como Porcina agradou a uma geração, nada
impede que ache um nicho na Secretaria de Cultura. Se não achar, o problema
será dela, nem tanto dele. Seu êxtase durante a execução do Hino Nacional numa
cerimônia militar em que tinha ao lado o doutor Paulo Skaf pode ter refletido a
fé patriótica de uma nova dramaturgia.
Bolsonaro pode continuar fazendo o que acha melhor, mas
evitará as cascas de banana que sai espalhando pelos lugares onde pretende
pisar se tomar uma simples providência: diga o que quiser, mas espere entre
seis e 12 horas.
Jornalista ítalo-brasileiro, comentarista diário de alguns
dos principais jornais do país, e autor, dentre outros, da coleção As Ilusões
Armadas, em cinco volumes.
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