Juiz rejeita denúncia contra Greenwald, mas acusa de
jornalista de dar “auxílio moral” a hackers
A Justiça Federal negou nesta quinta-feira denúncia contra
o jornalista Glenn Greenwald, fundador do The Intercept, por
associação criminosa, interceptação de comunicações e invasão de dispositivo informático.
Em janeiro, o jornalista norte-americano havia sido denunciado pelo Ministério
Público Federal por suposto envolvimento na invasão de celulares de autoridades
como Deltan Dallagnol, procurador da força-tarefa da Operação Lava Jato,
provocando críticas de entidades jornalísticas e de direitos humanos. Em sua
decisão, o juiz Ricardo Augusto Leite, substituto da 10ª Vara Federal do
Distrito Federal, citou como motivo para livrar Greenwald do processo penal não
o mérito da causa, mas o veto estabelecido por Gilmar Mendes, ministro do
Supremo Tribunal Federal, que em agosto proibiu que o jornalista fosse
investigado, evocando a proteção ao sigilo de fonte. Na sentença, o magistrado
apoia ainda a reivindicação do Ministério Público Federal de derrubar a liminar
de Mendes que blinda Greenwald.
As mensagens privadas das autoridades obtidas pelos hackers
e repassadas a Greenwald originaram série de reportagens feitas pelo The
Intercept Brasil e um grupo de veículos, incluindo
o EL PAÍS, que revelaram a proximidade entre Sergio Moro, então juiz da
Lava Jato, e os procuradores e puseram em xeque a imparcialidade da operação. O
jornalista norte-americano sempre rechaçou ter participação do hackeamento.
Na peça publicada nesta terça, o juiz Leite concorda com o
procurador Wellington Oliveira e afirma observar indícios de conduta criminosa
por parte de Greenwald, sustentando que o jornalista teria instigado acusados a
dar continuidade aos delitos e a apagar mensagens interceptadas. “Entendo que
há clara tentativa de obstar o trabalho de apuração do ilícito, não sendo
possível utilizar a prerrogativa de sigilo da fonte para criar uma excludente
de ilicitude”, aponta o juiz, que, embora tenha rejeitado por ora a denúncia,
não descarta entrar com pedido de prisão preventiva contra Greenwald por
entender que ele teria prestado “auxílio moral” a um dos hackers, que está
preso. O processo continua em sigilo. Os outros seis acusados da ação hacker na
mesma denúncia se tornaram réus.
O fundador do The Intecept reagiu à decisão
de Leite. “É uma boa notícia, mas vamos ao STF”, disse Greenwald em um vídeo.
Segundo o jornalista, seus advogados vão à Corte para estabelecer que a
denúncia contra ele é um ataque à imprensa livre.
Áudio com uso distinto
Em janeiro, a denúncia do MPF contra o jornalista já havia
sido criticada por entidades nacionais e internacionais, como a Associação
Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a ONG Anistia Internacional.
Para sustentar a acusação, o procurador Wellington Oliveira utilizou diálogo
entre Greenwald e um dos acusados que confessara ter se apropriado de mensagens
das autoridades para argumentar que o jornalista “de forma livre, consciente e
voluntária, auxiliou, incentivou e orientou, de maneira direta, o grupo
criminoso, durante a prática delitiva, agindo como garantidor do grupo, obtendo
vantagem financeira com a conduta aqui descrita”. A questão é que o mesmo
diálogo havia sido usado pela Polícia Federal para isentar a conduta do
jornalista ao longo do processo de obtenção dos dados. De acordo com o
relatório policial baseado no mesmo material investigado e no áudio referido
pelo procurador, a troca de mensagens evidenciava a “adoção por Glenn Greenwald
de uma postura cuidadosa e distante em relação à execução das invasões, bem
como da escolha de eventuais alvos pelos criminosos”.
No mês passado, José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça
de Fernando
Henrique Cardoso entre 1999 e 2000 e atual presidente da Comissão Arns de defesa dos Direitos Humanos,
considerou que a denúncia de Oliveira tinha “caráter político” e buscava
“intimidar e silenciar” a imprensa livre. “Nesse caso, eu acho que se pode,
inclusive, pensar em rime de abuso de autoridade por parte dele”, avaliou em
entrevista ao EL PAÍS.
Nenhum comentário:
Postar um comentário