Na reunião decisiva de dez dias atrás em que alertou o
enciumado presidente Jair Bolsonaro de que não pediria demissão, o ministro
Luiz Henrique Mandetta também assumiu o compromisso de não capitalizar política
e eleitoralmente o eventual sucesso da estratégia do Ministério da Saúde ao fim
da pandemia. Isso, porém, não depende só de Mandetta, depende das
circunstâncias.
Médico ortopedista, nascido em Mato Grosso do Sul, 55 anos,
Mandetta foi secretário de Saúde no seu Estado, cumpriu dois mandatos de
deputado federal e não disputou a eleição de 2018. Mas, apesar do currículo
político magro e da discrição no primeiro ano no Ministério da Saúde de
Bolsonaro, ele conquistou imensa visibilidade, disparou em popularidade e
passou a mexer com os brios de Bolsonaro ao ser olhado como candidato. A quê?
Neste momento, a qualquer coisa.
No início dos anos 1990, o professor e sociólogo Fernando
Henrique Cardoso não se reelegeria para o Senado e discutia se valia a pena
disputar uma vaga na Câmara quando o presidente Fernando Collor caiu, o vice
Itamar Franco assumiu e ele, no Ministério da Fazenda, foi o grande avalista do
Plano Real. Conclusão: em 1994, elegeu-se presidente da República já no
primeiro turno.
O Plano Real foi para FHC o que a pandemia pode se tornar
para Mandetta: a grande alavanca da sua carreira política. O Real, por ter sido
o maior plano de estabilização da economia da história. A covid-19, por ser o
maior desafio de vida ou morte das pessoas e das lideranças de todo o mundo. O
ex-presidente Lula levou tão a sério o isolamento que nem se sabe onde está,
nem que nome ele trabalha para 2022. Governadores equilibram-se entre a
desgraça e o sucesso. Ciro Gomes só sabe gritar. Luciano Huck só aparece em
propaganda de TV. E, em política, não há vácuos.
Bolsonaro está esfarelando seu capital eleitoral e sua
credibilidade mundial e nacional com sua incrível teimosia e, quanto mais ele
cai, mais Mandetta sobe. Até ao instituir entrevistas diárias de ministros para
tirar os holofotes do titular da Saúde, Bolsonaro conseguiu o efeito oposto: as
entrevistas se transformaram justamente em manifestação de união em torno de
Mandetta.
Ressentido desde que o ministro trabalhou republicanamente
com o governador João Doria contra a pandemia, Bolsonaro agora desdenha de quem
se julga “estrela” e saca sua caneta para tentar mostrar quem manda. Sua
obsessão em demitir Mandetta, porém, pode custar muito mais caro do que ele
imagina. “O governo acaba”, diz importante personagem do poder.
O Supremo em peso, os presidentes e líderes do Congresso, a
grande maioria dos governadores, os maiores partidos e a opinião pública se
voltariam contra o presidente, que correria o risco de ser desautorizado em
todos os flancos – e os generais do poder sabem disso. O STF pode derrubar a
demissão de um ministro? Resposta de um jurista da ativa: “Em tese, ele não
pode até que possa”. Ou seja, seria inédito, não impossível.
E, além do STF, Estados e municípios podem se rebelar contra
o poder central (contra o fim do isolamento social, principalmente) e convém
não esquecer que o deputado Rodrigo Maia não tem a caneta, mas tem a pauta da
Câmara: cabe a ele decidir, por exemplo, se põe ou não em votação um processo
de impeachment.
Se demitir Mandetta e desarticular a Saúde em meio a uma
pandemia que matou mais de 75 mil pessoas no mundo até ontem, Bolsonaro estará
traçando seu próprio destino e o de Mandetta. No vazio de homens e ideias que o
Brasil vive, nada como uma pandemia para destruir governantes e alavancar novos
líderes. Uma constatação que enlouquece Bolsonaro e prejudica Mandetta, mas é
impossível tapar o sol com a peneira. O rei está nu.


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