É certo que, em situações de normalidade, o chefe do
Executivo não é capaz de transferir responsabilidade pelo desempenho de
políticas macro ou universais para outros. Por exemplo, se a inflação e/ou
desemprego aumentam, o presidente será inexoravelmente responsabilizado. Por
outro lado, se os indicadores da atividade econômica melhoram, é também o chefe
do Executivo federal quem será capaz de extrair os maiores benefícios políticos
decorrentes dessa boa performance.
Essa responsabilização do presidente decorre da distribuição
geográfica da sua representação política. Como recebe votos em todo o
território nacional, é dele a responsabilidade de políticas nacionais. Os
legisladores e governadores, por sua vez, por serem eleitos por uma base
geográfica delimitada, respondem às preferências das redes locais e estaduais
de interesse, respectivamente.
Será que esse perfil de responsabilização seria também
observado quando o País é acometido de choques exógenos de grande magnitude,
como a atual pandemia do Covid-19?
A pandemia criou um novo tipo de polarização política no
Brasil. Governadores e legisladores, de um lado, têm apresentado preocupação
com os riscos de estrangulamento do sistema de saúde causado pela pandemia, que
pode levar a um grande número de vítimas fatais. Como resposta, os governadores
têm implementado medidas muito duras, como o fechamento de escolas, cinemas,
praias, teatros, e comércio em geral.
De outro lado, Bolsonaro tem minimizado os riscos de
contágio bem como os impactos epidemiológicos da doença. Sua maior preocupação
tem se concentrado nas consequências negativas que medidas de isolamento social
acarretam para a economia.
O presidente tem tentado transferir para outros atores
políticos a responsabilidade pela potencial diminuição ou mesmo recessão da
atividade econômica. A estratégia do presidente será bem-sucedida?
Para responder a essa e a outras perguntas, eu e minha
colega da FGV EBAPE, Amanda Medeiros, fizemos, com apoio do Estadão, uma
pesquisa experimental via WhatsApp. Uma das perguntas quis justamente saber
quem seria o principal responsável pelo controle e consequências da pandemia do
Covid-19. Os resultados preliminares, obtidos com uma amostra de 1148
respondentes, indicam que 79,5% responsabilizam o presidente e apenas 19,5% os
governadores.
A maioria dos respondentes acredita que o presidente não
está fazendo um bom trabalho (68%). Entre os que avaliam positivamente o
presidente, 72% se identificam como de direita e 9% como de esquerda, o que
evidencia uma grande polarização. Por outro lado, essa polarização não ocorre
na avaliação do desempenho positivo dos governadores (75% dos respondentes),
dos quais apenas 20% e 19% se identificam como de esquerda e direita,
respectivamente.
Os respondentes também foram aleatoriamente submetidos a
dois choques informacionais: 1) consequências negativas para a saúde, com
crescimento exponencial do número de mortes; e 2) para a economia, com retração
de 3 pontos percentuais do PIB. Surpreendentemente, receber as manipulações
aumenta a chance de as pessoas avaliarem mal o trabalho do governador e de
avaliarem bem a atuação de Bolsonaro.
Portanto, o comportamento do presidente de minimizar as
consequências da pandemia e enfatizar o impacto para economia, tido por alguns
como irracional, pode vir a se revelar uma estratégia bem-sucedida.
Análises mais aprofundadas da pesquisa serão publicadas em
breve.
*É professor titular da FGV/EBAPE, no Rio de Janeiro


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