Para quem imagina, ou teme, que tudo está perdido, eis a boa
notícia: as instituições e os setores responsáveis da sociedade se movem contra
a escalada que vai de impropérios imbecis a ameaças perigosas. Não há reuniões
secretas pela madrugada, apenas a velha e boa troca de impressões, informações
e perplexidade, à luz do dia. Em plena pandemia, todos conversam freneticamente
e há uma saudável resistência democrática no País.
O primeiro passo é contar a verdade, desmontar a versão de
que o presidente Jair Bolsonaro é a vítima e que os palavrões e absurdos de 22
de abril foram “desabafo” de um homem perseguido com sua família, amigos e
aliados. Afinal, quem ameaça quem? Quem ataca e quem é vítima? Quem precisa de
um “basta, pô!”? Certamente, quem faz discurso em atos que se apropriam das
cores e símbolos nacionais, com o QG do Exército ao fundo, para atacar a
democracia e a ordem constituída.
E não é de hoje. Quem disse que “basta um soldado e um cabo
para fechar o Supremo”? Faz apologia de “rupturas”? Comanda o “gabinete de
ódio”? Insiste em intervir em PF, Coaf, Receita? Desafia até protocolos
universais de saúde em atos contra o Legislativo e o Judiciário?
O senso de dever e responsabilidade uniu os desiguais do
Supremo, pôs as cúpulas do Congresso e de partidos de barbas de molho, mexeu
com o instinto democrático da mídia, reanimou velhas associações de belo
passado e presente inerte e a até a discreta Sociedade Brasileira de
Psiquiatria deu um grito pela democracia. A Igreja Católica anda mais quieta do
que a história exige, mas as entidades judaicas acusam indignação com o uso de
Israel em vão. Cresce a consciência do que se passa no País, cresce a
resistência.
As Forças Armadas não passam ao largo disso. Nelas pululam
dúvidas, discordâncias, o temor de quebra de uma imagem exemplar. Em nome do
que? Do falso dilema entre defender Bolsonaro dos próprios fantasmas ou ser
devoradas por dragões comunistas imaginários que estão sob cada cama,
ministério, instituição? Louve-se o silêncio dos comandantes de Exército,
Marinha e Aeronáutica. O general Augusto Heleno tentou consertar sua frase
sobre “consequências imprevisíveis” e o vice Hamilton Mourão descartou golpes e
aventuras militares com desprezo, ironia.
No artigo “O militar surtou”, no Estadão, Manuel Domingos
Neto, ex-vice-presidente do CNPq e ex-presidente da Associação Brasileira de
Estudos de Defesa (ABED), lembra a presença decisiva das FA na engenharia,
topografia, desenho, infraestrutura, artes, ciência, história, matemática,
veterinária, logística, aeronáutica. E provoca: para hoje os militares se
imiscuírem com terraplanistas, criacionistas, inimigos da razão? Contra a
ciência e as pesquisas? Artigos assim servem de boia para militares que querem
distância de fake news e golpes.
O mais objetivamente grave da reunião de 22 de abril foi o
presidente encarnar Hugo Chávez: “Eu quero todo mundo armado. Povo armado
jamais será escravizado”. Não é bravata. Partiu de quem já condecorou e
empregou familiares de líder de milícias, derrubou portarias do Exército sobre
armas e multiplicou munições nas ruas, enquanto mete as polícias no bolso. Como
ficam as FA se milicianos armados tentarem invadir o Supremo, as polícias
lavarem as mãos e o circo da democracia pegar fogo? É melhor prevenir do que
remediar.
Em 31/03/2019, no texto “Construir, não destruir”, descrevi o que há de comum entre os projetos do capitão Bolsonaro e do coronel Chávez de alimentar as milícias e espancar Judiciário, Legislativo e mídia para instalar suas crenças e delírios de poder. O Brasil, porém, jamais será uma Venezuela. Nem pela direita, nem pela esquerda. Há resistência e é à luz do dia.
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