O Brasil está em situação grave. Os militares do gabinete e
o ministro da Defesa acham que o presidente Jair Bolsonaro tem razão e só fazem
reparos ao tom. Acreditam que, sim, o Supremo Tribunal Federal (STF) está
exorbitando de suas funções. Não está, mas a opinião dos militares dos quais se
cercou o reforça, e ele então decide escalar e assim fortalece sua militância. Por
outro lado, na reforma da Previdência foi feito um grande agrado às polícias
militares, com a extensão aos PMs do benefício dado às Forças Armadas: a
manutenção da integralidade e da paridade. Isso aumentou o apoio das PMs ao
presidente. Bolsonaro ontem fez ameaças ao Supremo e ao ministro Celso de
Mello. Quem vai impor limites? Perguntei isso a uma alta autoridade, e ouvi que
as instituições já estão impondo limites.
Na visão dessa autoridade, o que os ministros Celso de Mello
e Alexandre de Moraes estão fazendo é impondo limites. O plenário do STF tem
feito isso também. Câmara e Senado, quando mudam propostas ou rejeitam
projetos, estão avisando ao presidente quais são as fronteiras entre os
poderes.
— As instituições estão fazendo um risco no chão — disse
essa autoridade.
A já tradicional gritaria matinal foi, ontem, mais
estridente. Cada palavra foi bem estudada. E a entonação. Quando ele elevou a
voz para dizer “Acabou, porra!” estava enviando mensagem à militância. Tudo o
que faz ou diz é gravado para ser usado em campanhas ou no seu projeto
autoritário. Para esse uso foi gravada a reunião ministerial. O filho 03 foi de
novo escalado para ameaçar a democracia. A fala do deputado Eduardo é de que
não é uma questão de “se” mas de “quando” acontecerá a “ruptura”. Foi dita na
noite da quarta-feira para acalmar a militância de extrema-direita assustada
com a operação de busca e apreensão do inquérito das fake news. O projeto de
Bolsonaro é este mesmo: a ruptura. Adianta pouco as negativas de que não haverá
golpe militar porque as democracias morrem de outra maneira.
O Supremo Tribunal Federal está em duas encrencas. O
tribunal aprovou o fim da condução coercitiva do investigado (ADPFs 395 e 444).
E se Abraham Weintraub não atender à ordem do ministro Alexandre de Moraes? A
segunda encrenca é o início polêmico desse inquérito. Foi aberto de ofício, o
ministro Alexandre de Moraes foi nomeado sem sorteio e tropeçou no início com a
censura à revista “Crusoé”. Ao longo do tempo, contudo, o processo ganhou
relevância política, não porque mirou a direita, mas porque está investigando
indícios de crime.
Os próprios militares que estão no governo não defendem o
que um deles definiu para outro alto integrante do poder como “milícia
digital”. Mas o presidente colocou toda a força da presidência para defender
exatamente essa milícia digital, investigada pelo Supremo. “Com dor no coração
ouvi aqueles que tiveram a sua casa violada,” disse o presidente. “Essa mídia
social me trouxe à presidência.”
Bolsonaro está deliberadamente fazendo uma confusão entre
liberdade de expressão e o crime de divulgar fake news, caluniar, difamar,
organizar-se para atacar através de robôs, contratar empresas de disparos em
período eleitoral, financiar manifestações antidemocráticas. É isso que está
sendo investigado. O grande desafio da democracia é criar antídotos contra
esses ataques às instituições. O Congresso também prepara uma lei dura para
evitar o uso criminoso das mídias sociais. As próprias plataformas estão
estabelecendo normas. Não é ameaça à liberdade de expressão. O presidente sabe
disso.
Ele está claramente querendo intimidar o Judiciário. Por
efeito bumerangue, conseguiu aumentar a união dentro da Corte, como se viu no
curto e claro discurso do ministro Luiz Fux, avalizado por Dias Toffoli, em
defesa de Celso de Mello. Bolsonaro acredita que neutralizou o Ministério
Público com a nomeação de Augusto Aras, a quem ofereceu ontem publicamente o
cargo de ministro no STF. Acredita que consegue o apoio das Forças Armadas,
pelas vantagens que deu aos oficiais, e que tem o respaldo das PMs, pelo ganho
dado aos policiais militares.
Durante a tarde, enquanto Bolsonaro conversava com o
presidente do Senado, Davi Alcolumbre, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia,
mandou o recado:
– É bom dialogar, mas é bom ficar claro que nós vamos
continuar reafirmando que a nossa democracia é o valor mais importante do nosso
país e as instituições precisam ser respeitadas.
Bolsonaro tentará ignorar recados e passar por cima dos limites.
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