O presidente Bolsonaro conseguiu cimentar uma união interna
no Supremo Tribunal Federal (STF) que já vinha sendo formada no cotidiano da
Corte diante dos riscos à democracia desenhados pela retórica agressiva dos
militantes bolsonaristas, em manifestações avalizadas pelo próprio presidente,
e em atitudes agressivas das milícias, digitais ou não, contra seus membros.
Para além desse sentimento até mesmo de autopreservação, não
fosse a ameaça à democracia, os ataques ao decano do STF, ministro Celso de
Mello, tornaram-se exemplares da falta de limites desses militantes, que o
decano classificou de “bolsonaristas fascistóides”.
Celso de Mello, aliás, já previa os problemas que a
radicalização política poderia causar à democracia no país. Em 2018, com
problemas de saúde que o impediam de se locomover normalmente, pensou em se
aposentar. Começou mesmo uma conversa sobre seu substituto, e indicou
indiretamente ao presidente Michel Temer que se sentiria feliz se a
advogada-geral da União, Grace Mendonça, fosse indicada para sua vaga.
No final do ano, com a polarização política acirrada na
campanha presidencial, ele avisou a Grace que continuaria até o final de seu
período, e entrará na compulsória por fazer 75 anos, em novembro.
A operação de busca e apreensão da Polícia Federal de
quarta-feira, que tanto incomodou o presidente Bolsonaro, estava prevista há
pelo menos um mês, e só não foi realizada antes devido à pandemia, como
noticiei na minha coluna “Golpe frustrado”, de 22 de abril.
Como já havia a perspectiva de que Bolsonaro estava tentando
interferir na Polícia Federal na saída do então ministro da Justiça Sérgio
Moro, o ministro Alexandre de Moraes determinou que fosse mantida a mesma
equipe da PF que trabalhava no caso há um ano. Com isso, evitou que a operação
pudesse ser inviabilizada por questões burocráticas ou vazamentos com viés
político.
Os membros do Supremo riscaram uma linha de onde não
admitirão passar os desmandos do presidente e seus seguidores. Em consequência,
as duas novas tentativas do governo de reverter decisões do Supremo têm chances
próximas de zero de vingar, tanto o habeas corpus a favor do ministro Abraham
Weintraub, quanto o pedido de fim do inquérito sobre fake news feito pelo
Procurador-Geral da República, Augusto Aras.
Há uma jurisprudência firmada de que o tribunal não deve
receber pedido de habeas corpus contra atos de seus ministros. Quanto ao
inquérito, mesmo os que, a princípio, consideraram que era uma demasia do
presidente Dias Toffoli, hoje entendem que os fatos descobertos nas
investigações justificam sua existência, indo muito além da auto defesa que
parecia ser o objetivo inicial.
Trata de ataques à democracia. Além do mais, iniciado de
maneira equivocada, esse inquérito foi colocado nos eixos muito devido às
críticas que recebeu. O ministro Alexandre de Moraes comanda as investigações,
e não julgará, o PGR Aras tem conhecimento delas e foi atendido na tese de que
os deputados não deveriam ser alvos de busca e apreensão em suas residências.
A fala do presidente Bolsonaro ontem de manhã foi reveladora
de seus intentos, mas ele não tem meios legais para afirmar que “acabou”, se
referindo à ação da PF autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes contra as
fake News. Não há nada que ele possa fazer contra o STF, que, como disse Rui
Barbosa, tem o direito de errar por último.
É preocupante que ele não aceite limites que a democracia impõe, queixando-se de que sua caneta não tem tinta. Não imagino que tenha algum tipo de apoio fora dessas milícias digitais para tomar qualquer providência fora da lei. Vários militares, inclusive o vice-presidente, Hamilton Mourão, reafirmaram ontem que não há possibilidade de golpes militares. Os comandantes das Três Armas não são tão condescendentes quanto seus colegas da reserva com relação às extravagâncias políticas do presidente Bolsonaro. Enquanto ficar na retórica, e não houver nenhuma medida prática para desautorizar o STF, vamos viver nesse clima de tensão permanente. Para parar o STF, nem mesmo mandando o soldado e o cabo, como disse o filho 03 Eduardo, para fechá-lo.
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