A população já sabe que não deve levar a sério o que diz o
presidente Jair Bolsonaro. Ainda assim, é forçoso anotar, até como registro
para a posteridade, que, no dia 28 de maio de 2020, o chefe de Estado do Brasil
afirmou, referindo-se a decisões do Poder Judiciário: “Ordens
absurdas não se cumprem”.
O mandatário, que jurou submissão à Carta democrática de
1988, atravessava mais um surto autoritário. Crivado de derrotas nos tribunais,
com um inquérito do Supremo tendo na véspera fechado o cerco sobre a máquina de
difamações e ameaças alimentada por familiares e assessores próximos, Bolsonaro
voltou a cevar a franja de lunáticos golpistas que o apoia.
“Mais um dia triste na nossa história. Mas o povo tenha
certeza, foi o último. Acabou,...” e proferiu mais um de seus palavrões
habituais. Pouco antes, o deputado federal Eduardo Bolsonaro declarara, num
encontro de carnívoros da truculência, que a ruptura
era questão de quando, não mais de se.
Os rugidos são inversamente proporcionais ao dano que essas
figuras liliputianas da política brasileira podem causar à institucionalidade.
Configuram-se, na verdade, sintomas do enfraquecimento e do isolamento
progressivos de Jair Bolsonaro e seu círculo de fanáticos.
Em pleno século 21, decorridos 35 anos de enraizamento da
democracia na sociedade e na máquina administrativa, não há hipótese de
retrocesso às quarteladas do passado. Elas eram compatíveis com um país muito
mais simples, quase simplório, e com um contexto global maniqueísta. Isso, sim,
acabou.
O presidente da República que decida afrontar uma ordem do
Poder Judiciário não disporá de tanques como salvaguarda. Enfrentará as
consequências criminais e políticas que o ato estúpido implica. O parlamentar
que, como Eduardo, reincide ao invocar rupturas autoritárias tem encontro
marcado com o Conselho de Ética da sua Casa.
O presidente que rosnou perante a turma de agitadores
violentos que o bajula no famigerado cercadinho do Alvorada foi o mesmo que,
ordeiramente, ingressou com recurso no Supremo para tentar evitar o depoimento
do ministro da Educação que havia insultado a corte.
O ensaio de rebeldia de Abraham Weintraub —que faria mais
jus a ser titular de uma pasta da Ignorância— tampouco se materializou. Nesta
sexta (29), bovinamente, cumpriu seu dever de comparecer ao depoimento no
inquérito que apura ameaças a membros do STF e exerceu o direito de ficar em
silêncio. Calado, aliás, é um poeta.
Nada garante que não haverá novas operações como a que alvejou bolsonaristas na quinta (27). Mas, se o presidente quiser reduzir sua probabilidade, basta andar entre as linhas traçadas pela Constituição.
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