Imagine, apenas imagine, que o Brasil tivesse água tratada
chegando na casa de todos os brasileiros. Hoje uma população do tamanho da do
Canadá não tem serviço de água no Brasil e, portanto, não pode seguir o
primeiro protocolo para o combate à pandemia. Outros milhões têm um
fornecimento intermitente. Imagine que o Brasil tivesse coleta e tratamento de
esgoto. O país teria poupado milhares de vida nessa pandemia.
Nesse momento em que notícias boas são raras, é preciso
comemorar o passo dado no saneamento. Ele não garante nada, esqueça os números
sempre bilionários que aparecem na economia. Mas o fato é que o novo marco do
saneamento estabeleceu datas. Daqui a 13 anos, ou 20, as empresas que prestam
serviço terão que entregar a universalização. No meio do caminho haverá metas
intermediárias. E a ANA, a agência das águas, será a reguladora-mor.
— Não tem país com esse potencial, acho que só a Índia, mas
ela está muito atrasada. As grandes companhias, Suez, Eólia, Águas de
Barcelona, não têm para onde ir. Todo mundo está de olho no Brasil. Hoje eu
recebi um japonês no escritório. A primeira pergunta que fazem é: e se o novo
prefeito não quiser ou o governador tirar o contrato. No novo marco fica mais
difícil essa instabilidade. O Brasil é uma jabuticaba, tem 52 agências
reguladoras, mas agora haverá uma coordenação federal. A ANA vai criar normas
para as agências — diz Edison Carlos, presidente do Trata Brasil.
Hoje só 6% das empresas são privadas, o resto é estatal e
75% são estaduais. O Brasil já viu o suficiente para saber que não é porque a
companhia é privada que é boa. Nem para achar que a empresa estatal é justa.
Conhece a Cedae e a sua geosmina. Viu que a Odebrecht Ambiental teve que ser
vendida, depois de escândalos. A subsidiária da Galvão também caiu na
Lava-Jato. O que é importante é haver estímulo à competição, transparência,
metas de desempenho, e data para que o Brasil saia da idade média em termos de
saneamento.
O novo marco deve muito ao trabalho do senador Tasso
Jereissatti, que vem há alguns anos tentando desfazer o cipoal de Medidas
Provisórias que caducam ou projetos de lei que precisam ser negociados. O
projeto final acabou tendo que fazer concessão para ser votado. Uma delas: as
atuais empresas podem renovar os contratos por 30 anos. Só que terão que provar
que conseguem chegar nas metas estabelecidas. Edison Carlos, que está nessa
estrada há muito tempo, disse que nunca viu um ministro da Economia tão
empenhado nesse assunto quanto Paulo Guedes. O primeiro movimento para sair da
inércia em que estava o setor foi dado no governo Temer, mas agora é que se
conseguiu aprovar.
— Nas regras atuais o prefeito já podia fazer licitação, mas
é quase caso a caso. O prefeito precisa estar incomodado com a empresa
operadora do município, chamar outra empresa para fazer uma análise, abrir
processo de licitação. O setor privado nunca conseguiu ganhar escala. Niterói,
Piracicaba, Limeira, Campos, Campo Grande, umas cidades em torno de Porto
Alegre, estão com empresas privadas. Em geral, o prefeito não quer brigar com o
governador, e a estatal vai ficando — diz Edison Carlos.
Agora haverá um incentivo maior para a competição, as regras
estão mais claras, os municípios se reúnem em consórcios e a empresa
concessionária terá que provar que tem meios de chegar aos seus objetivos. Se
tudo der certo, será um estímulo econômico enorme.
— Movimenta as indústrias de plástico, aço, cimento,
equipamentos, produto químico, engenharia, consultoria de arquitetura, tudo se
movimenta na economia quando o país investe em saneamento — explica.
Quando se diz que o Brasil “tem potencial” nessa área é
porque nosso atraso é tão grande que há muito a fazer. Isso pode ser uma das
molas da retomada pós-pandemia. Mas o grande capital não financia país onde há
incerteza regulatória, agora já há um marco. Não é só isso. É preciso ter
estabilidade política. E pelas regras de conformidade muitos fundos só investem
em países que respeitam o meio ambiente.
Imagina um país em que o presidente ameaça a suprema corte e dá avisos enigmáticos de que “está chegando a hora”. Imagina um país em que o ministro do Meio Ambiente propõe aproveitar a pandemia para driblar a lei ambiental. Foi esse recado que foi enviado essa semana às embaixadas pelos fundos de investimento. Um país só pode ser moderno por inteiro. Não existe progresso pela metade.
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