Quando esta coluna fechou, o Senado ainda
não havia passado pela votação do projeto de lei que visa combater notícias
falsas. Não foi pequena a controvérsia no seu entorno. Sua última
redação, do senador Ângelo Coronel (PSD-BA), atraiu notas de repúdio de
organizações como Human Rights Watch, Boatos.org e E-farsas, as agências de
checagem brasileiras e a IFCN – que reúne os checadores de notícias no mundo –,
atraiu críticas até do Comitê Gestor da Internet brasileira. Não é um início
promissor. Mas, de todo o debate, um ponto muito importante ficou de fora. Quem
vê fake news, assim como quem vê robôs no Twitter ou
consultores da Cambridge
Analytica está vendo árvores. Não a floresta. O que facilitou a
eleição do presidente Jair
Bolsonaro – ou de Donald
Trump, ou do Brexit –
foi bem mais complicado do que isso. Hackearam a democracia.
É preciso entender, antes, o que separa movimentos populares
espontâneos e sem liderança, que foram e são promovidos online desde a Onda
Verde no Irã, do populismo digital. Entre os espontâneos há nosso junho de
2013, assim como a Primavera Árabe, os Indignados espanhóis, Occupy Wall Street
e mesmo as passeatas chilenas de 2019. Em comum têm, principalmente, o caos.
Pegam governos de surpresa, não costumam ter muitos resultados concretos,
deixam um cenário de instabilidade. E embora tudo isto seja verdade, são
populares. No sentido de que não são artificiais: nascem de fato da sociedade e
gritam sua insatisfação em relação aos governantes.
O populismo digital não tem nada disso. Como no caso de
todos os populismos anteriores, é o movimento de um grupo político que busca a
tomada do poder, normalmente via eleições. O populista sempre constrói um
discurso no qual ele é o único a representar os interesses do povo contra uma
elite mal-intencionada. E é na construção deste discurso populismo digital usa
a internet. Quem olha de fora, desatento, acredita que há uma mobilização
popular instantânea. Não, não há. É tudo criado artificialmente.
Quem desenvolveu a técnica tem nome. É um milanês morto dum
câncer cerebral em 2016 chamado Gianroberto Casaleggio. Era executivo da
Olivetti, foi CEO de uma consultoria online chamada Webegg, e fazendo
experimentos sociais em fóruns online percebeu que conseguia manipular a
construção de consensos. O que Casaleggio percebeu é uma dinâmica típica do
mundo virtual. Se, num debate, muitas pessoas caminham na direção de um
consenso, o resto do grupo tende a acompanhar.
Ou seja: surge um debate na internet. Os manipuladores, em
massa, começam a publicar opiniões num mesmo sentido. Estes manipuladores podem
ser pessoas de verdade. Podem ser três ou quatro operando 50 contas falsas.
Podem ser robôs. Não importa. A maioria do grupo, sem perceber que está sendo
manipulado, tende àquele caminho.
A técnica de Casaleggio foi empregada para inventar um
partido político do nada, o Movimento 5 Estrelas, e transformá-lo no maior da
Itália. Foi o suficiente para chamar atenção do populista britânico Nigel
Farage, que foi a Milão, tomou notas e mergulhou no processo, voltou para o
Reino Unido e o empregou – conseguiu aprovar o Brexit. Saltou aos olhos de
Steve Bannon, que adaptou as técnicas em território americano enquanto tocava a
campanha de Donald Trump. E, claro, copiando Trump o time Bolsonaro fez o mesmo
no Brasil.
Funciona.
As plataformas têm responsabilidade. Seus algoritmos ajudam a ampliar a voz de poucas pessoas, acelerando a estratégia para formar consensos artificialmente. Fake news, assim como bots, fazem parte da palheta de ferramentas da manipulação. Mas o que ameaça a democracia é seu sequestro pelo método de Casaleggio. É hora de botar foco nisto. A União Europeia já tem relatórios sobre o assunto.
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