Sem acreditar na
democracia, instituições serão frágeis contra autoritarismo
Depois que caiu a ditadura argentina, nos anos 1980, houve
algumas tentativas de golpe militar, quando iam a julgamento os criminosos que
haviam exercido o poder. A cada vez, multidões tomavam as ruas e repudiavam a
ação subversiva e antidemocrática.
De lá para cá, a Argentina viveu graves crises econômicas
—como nós—, mas nunca a democracia esteve em risco. Teve e tem apoio popular.
Digo isso a respeito do artigo de Yascha Mounk, “Brasil já é
uma democracia sob supervisão militar”.
Concordo com o título e com a tese principal. Mas estranhei
sua alusão a “especialistas brasileiros que consultei alguns anos atrás e que
sentiam confiança na força das instituições brasileiras”, porque segundo eles
“os militares haviam se afastado de vez da política”.
O problema é que instituições somente são fortes se tiverem
apoio popular. Esse apoio pode se chamar cultura política, educação política.
Não me deterei na diferença entre esses conceitos, mas insisto: se as pessoas
não acreditarem na democracia, as instituições serão frágeis contra o
autoritarismo.
Infelizmente, o que nos preservou da ditadura, desde 1985,
foi a fraqueza dos antidemocratas, mais que a força dos democratas. A ditadura
acabou em fiasco, inclusive econômico, mas não sofreu punições.
Uma comissão da verdade demorou décadas para ser criada. A
anistia que o regime de exceção deu a si mesmo, embora condenada
internacionalmente, foi mantida pelo STF.
A fraqueza de nossa democracia é a fraqueza da convicção
democrática dos brasileiros. Não emplacamos a ideia de que a divergência
política é legítima. Na verdade, aumentou a crença de que quem diverge de nós é
corrupto. Ora, na política democrática sempre há ao menos duas vias legítimas e
diferentes.
Mas nossas últimas campanhas eleitorais, bem como o
antipetismo, fundaram-se na deslegitimação do adversário, convertido em inimigo
porque seria ladrão.
Além disso, a democracia não resolveu nossos problemas
sociais. De Itamar Franco a Dilma Rousseff, diferentes governos o tentaram. O
IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano de Municípios) melhorou sensivelmente.
Os governos petistas foram mais longe neste rumo, mas a trilha foi aberta por
Itamar e FHC.
Porém, não se construiu a consciência de que os avanços se
deviam a políticas públicas —ou à política.
Em vez disso, multidões atribuíram sua melhora de vida, nos
anos prósperos do começo do século, a Deus ou ao esforço pessoal, esquecendo a
dimensão coletiva, pública, que é a da política.
Esse é o problema. Foi e é uma ilusão olhar só as
instituições. Podemos vibrar com uma ação do presidente da Câmara ou de alguns
ministros do STF, mas eles não substituem a fonte do poder, que na democracia é
o povo.
Sem uma convicção e práticas democráticas enraizadas, nossa
democracia continuará, como diz a revista britânica The Economist, “flawed”,
ferida, defeituosa.
O erro não é de Yascha Mounk, mas de seus informantes
brasileiros, que não viram esse déficit inquietante de consciência política.
*Renato Janine Ribeiro, professor titular aposentado de ética e filosofia política da USP e professor visitante na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Foi ministro da Educação em 2015, durante o governo Dilma Rousseff (PT). Autor de ‘A Pátria Educadora em Colapso’ (ed. Três Estrelas).
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