Antigamente, ali pelos anos 1970/80/90, fazer uma revista
semanal de futebol como a Placar era um desafio.
Além da concorrência brutal dos jornais, com seus cadernos de esportes,
principalmente às segundas-feiras, ainda havia a intensa programação das emissoras
de rádio, na hora do almoço, antes e depois do jantar. E, é claro, das tevês.
Nem eram, no entanto, os jornais, as rádios e as tevês os maiores problemas da
revista. Eram os cartolas. Campeonatos com regulamentos ambíguos, decisões
absurdas das federações e da CBF constantemente iam parar na Justiça, primeiro
na esportiva, depois na comum, e jogos eram adiados, decisões de torneios iam
para o tapetão.
As edições eram fechadas aos domingos à noite ou no começo das
madrugadas das segundas-feiras, para chegar às bancas, em São Paulo e no Rio
nas terças-feiras, nas demais cidades às quartas e, muitas vezes, já chegavam
velhas, superadas por alguma canetada, alguma liminar, qualquer lambança.
Então, a capa que anunciava o grande jogo do fim de semana
seguinte, estava vencida, porque o clássico não aconteceria.
Assim aconteceu na decisão do Campeonato Paulista de 1979, à época tão mais
importante que o Brasileiro que apenas Palmeiras e Guarani disputaram a
competição nacional, pois Corinthians, São Paulo e Santos abdicaram para se
concentrar na estadual.
Para definir os quatro semifinalistas, a FPF marcou rodada dupla no Morumbi,
com renda dividida entre o quarteto: Corinthians e Ponte Preta fariam a
preliminar e Palmeiras e Guarani o jogo de fundo.
O Palmeiras era, disparado, o melhor time.
O presidente corintiano Vicente Matheus bateu o pé, disse que o time não
jogaria porque não aceitava a divisão paritária: "Vivemos no
comunismo?", perguntou. E respondeu: "O Corinthians tem mais torcida
que os outros três juntos".
A coisa acabou nos tribunais, a rodada foi adiada, vieram as
férias, e o campeonato só foi decidido em 1980.
Aí, a vantagem do Palmeiras de Telê Santana desfez-se, o Corinthians arrancou
um empate no primeiro jogo semifinal (1 a 1) e, com gol de canela de Biro-Biro,
eliminou o alviverde para ser campeão novamente contra a Ponte Preta, com
exibição de gala da dupla Sócrates e Palhinha.
Dez anos depois foi pior: após o último jogo do Campeonato
Carioca, Botafogo e Vasco deram a volta olímpica no Maracanã diante de apenas
35 mil torcedores, cansados da polêmica em torno da interpretação do
regulamento.
A justiça desportiva levou dez dias para definir o Botafogo como campeão.
A Placar, que vendia feito água com suas edições de campeões, morria aos poucos
como semanal, até porque, no mesmo 1990, a decisão paulista se deu entre
Bragantino e Novorizontino.
Pois eis que retornamos aos tempos das incertezas.
O futebol voltou no Rio, mas não voltou, e voltou de novo.
Para atender a vontade
irresponsável do presidente da República, o do Flamengo forçou o retorno
açodado dos jogos, sem o acordo de Botafogo e Fluminense.
Mas ganhou a estapafúrdia Medida Provisória suficientemente
explosiva para deixar o torcedor sem saber o que ver ou se verá.
Bolsonaro
cumpre o que prometeu: destruir o que está aí.
Da Amazônia aos direitos estabelecidos, todos eles. A cultura, os povos
indígenas, a Terra redonda, os negros, LGBTs, o prestígio do Exército.
Só mantém o centrão.
Juca Kfouri
Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.
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