Capitão Bolsonaro,
O senhor usou uma frase que eu repeti em 1932: “É melhor
viver um dia como leão que cem anos como cordeiro”. O Donald Trump também a
usou. Escrevo-lhe para retificar essa fanfarronada, uma das muitas que soltei
pela vida. Eu morri como um gatinho.
Na tarde de 27 de abril de 1945 os russos estavam perto de
Berlim, e eu fugia pelo Norte da Itália num comboio alemão, vestindo o capote
de um cabo da Wehrmacht, escondido dentro de um capacete. Fomos interceptados
por uma patrulha de combatentes italianos e fui reconhecido no fundo do
veículo. Aprisionado, levaram-me para uma casa, onde passei a noite. Pela
manhã, deram-me algum salame e pão. O Partido Comunista destacou uma patrulha
para me matar e à tarde chegou o “Coronel Valerio”. Fui metralhado diante do
portão.
Fiquei cerca de 24 horas com meus captores e são muitas as
versões do que aconteceu nesse período, mas nenhuma delas registra momentos de
bravura. Não sei se há coragem no suicídio, pois nunca pensei em me matar.
Hitler matou-se dois dias depois. Um dia encontrei aqui o Getúlio Vargas e ele
me explicou que, matando-se, dobrou seus inimigos. É verdade, mas eu, como
Napoleão Bonaparte, não tinha essa carta. Havia enfiado a Itália numa guerra e
ela estava perdida.
O que os italianos fizeram com meu cadáver, pendurando-me de
cabeça para baixo num posto de gasolina, foi apenas uma prova da volubilidade
daquele povo. Uma gente que me adorava, ainda que a recíproca não fosse
verdadeira.
Escrevo-lhe porque tenho um especial carinho pelo Brasil. Em
1910, quando os Bolsonaro já viviam no interior de São Paulo há algum tempo, eu
fui convidado para dirigir um jornal socialista na cidade. Não aceitei, porque
minha mulher engravidou. Antes tivesse ido. O primeiro posto diplomático do meu
genro foi o Rio de Janeiro. O senhor deve ter ouvido falar no Galeazzo Ciano,
ele financiava os integralistas. Minha filha Edda esteve no Brasil em 1939 e
ficou hospedada na mansão da família Prado. Depois da guerra uma das minhas
netas viveu aí.
Eu cheguei ao poder nos braços do povo, com os punhos da
minha milícia. Eram chamados de “squadristi”. O Hitler copiou esse modelo e
depois liquidou-o, criando coisa pior. Eles aterrorizavam os adversários políticos,
espancavam esquerdistas e empastelavam jornais. O chefe dessa milícia era
Roberto Farinacci. Ladrão, colecionava denúncias contra minha família. (Minha
filha teve 95 apartamentos em Roma, mas essa é outra história.) Farinacci
passava-se por ideólogo, mas era apenas um bajulador de plutocratas. Por
coincidência, foi fuzilado no mesmo dia que eu. Dizem que deixou o equivalente
a dez milhões de euros. Em 1943 me contaram que guardava 80 quilos de ouro em
casa. O poder subiu-lhe à cabeça, e acabou metendo-se com uma marquesa de dois
nomes e três sobrenomes.
Farinacci não morreu como um leão, porque se deixou
capturar. Também não morreu como um gatinho, pois encarou o pelotão de
fuzilamento e gritou “Viva a Itália”.
Os meus milicianos emporcalharam o fascismo. Poucos morreram
no campo de batalha. Alguns aninharam-se com a elite, mas a maioria meteu-se
com boquinhas. Daí a maledicência segundo a qual todos os políticos comem, mas
os fascistas comiam com as mãos.
Despeço-me, sugerindo que me esqueça.
Benito Mussolini.
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