sexta-feira, 26 de junho de 2020

JAIRZINHO PAZ E AMOR

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

A escolha do professor Carlos Alberto Decotelli da Silva para o estratégico e sofrido Ministério da Educação é mais um passo na metamorfose do presidente Jair Bolsonaro em Jairzinho Paz e Amor. Decotelli é conservador, sim, e não se poderia esperar algo diferente, mas carrega um belo currículo, não tem nada a ver com o antecessor Abraham Weintraub e muito menos é do grupo “olavista”. Logo, já é um avanço. Sua nomeação ocorre com Bolsonaro acuado, se enfraquecendo na área militar, e esquece manifestações golpistas e se aproxima de Judiciário e Legislativo, amenizando até a expressão facial e o tom de voz. Não à toa. São duas investigações contra ele no Supremo, uma contra Flávio Bolsonaro na Justiça Federal do Rio e outras contra parlamentares, empresários e militantes bolsonaristas, por fake news e atos golpistas, que se aproximam do “gabinete do ódio” e dos filhos do presidente.

O vice Hamilton Mourão entrou no radar, Bolsonaro finalmente concluiu que estava afundando e era hora de nadar e parar de afogar todo o resto. Essa pausa para reflexão, digamos assim, tem um papel fundamental da ala militar do governo, que manifestou incômodo com a ignorância e beligerância de Weintraub e não se dispõe a um abraço de afogados por problemas pessoais de Bolsonaro e seus filhos.

Tanto a queda de Weintraub quanto a ascensão de Decotelli, que teve uma fugaz passagem pela Marinha, têm a influência direta da ala militar, que tem tido contatos com ministros do Supremo e as cúpulas da Câmara e do Senado. Bolsonaro sempre bate no peito para demonstrar autoridade e já perguntou: “vou ser um presidente banana?”. Bem, é melhor ser um presidente um tanto “banana” do que um ex-presidente antes do tempo. De um lado, os militares mostraram desconforto. Do outro, o tal Olavo de Carvalho extrapolou ao postar um vídeo, aos palavrões, ameaçando o presidente. Somados, os dois movimentos reequilibraram o jogo, com a vitória da ala militar sobre a ala ideológica não só na questão pontual do MEC, mas na estratégia de sobrevivência.

Qualquer equilíbrio, porém, é precário. Bolsonaro atacou governadores, prefeitos, STF, Câmara e Senado. E também universidades, professores, alunos, médicos, enfermeiros, ambientalistas, indigenistas, jornalistas, artistas, intelectuais, militantes dos direitos humanos, movimentos negros… E a imagem do Brasil no exterior jamais esteve tão tristemente esgarçada desde os tempos da tortura. Bolsonaro não é vítima e sim réu nesse desgaste nas relações institucionais, federativas e internacionais. E é nesse ambiente adverso que tem de enfrentar as ações no Supremo e as revelações sobre a simbiose entre Flávio, Fabrício Queiroz, Márcia Aguiar, Capitão Adriano, milícias e o imprevisível Frederick Wassef.

Aliás, por que o general Augusto Heleno, do GSI, implodiu de vez a versão mal-ajambrada de Bolsonaro para a acusação de interferência na PF? O presidente dizia que seu alvo não era a PF, mas sim a segurança dele e da família do Rio, a cargo do GSI, quando, furioso, reclamou: “Eu não vou esperar foder a minha família toda (…), porque eu não posso trocar alguém (..).” Em oficio, Heleno responde que não houve “óbices ou obstáculos” para troca nenhuma. Em um ano e meio de governo, foram três na segurança no Rio.

Assim, o presidente tirou Weintraub, nomeou um nome respeitável para o MEC, reabre o diálogo e faz a alegria do Centrão, mas a crise continua. As investigações se aprofundam e não se tem ideia de como Bolsonaro vai se virar no depoimento ao STF. Sobretudo depois de Heleno, é impossível manter a versão inverossímil. E que outra versão podem inventar? O depoimento de Bolsonaro não será mais mera formalidade. E é um problemão.

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