Se finalmente acertou na estratégia, procurando pacificar a
área de ensino ao demitir Abraham Weintraub da chefia do Ministério da Educação
(MEC) e propor a retomada de diálogo com os secretários municipais e estaduais
de Educação para evitar o colapso de um setor estratégico da administração
pública em tempos de pandemia, o presidente Jair Bolsonaro errou na escolha de
seu sucessor, Carlos Alberto Decotelli.
No mesmo dia em que foi anunciado por Bolsonaro como mestre,
doutor e pós-doutor e de contar com experiência no setor por ter presidido o
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), surgiram as primeiras
suspeitas de que Decotelli teria maquiado seu currículo Lattes. O currículo
Lattes é a plataforma do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico sobre a titulação acadêmica dos professores do País. As informações
são autodeclaratórias e dispensam a apresentação de documentos.
A primeira suspeita foi de que Decotelli não teria o título
de doutor pela Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, o que foi
confirmado no dia seguinte pelo reitor da instituição, Franco Bartollacci.
Reagindo à nota, Decotelli apressou-se em revisar o currículo Lattes. Tentando
remediar a situação, ele afirmou que, apesar de ter obtido os créditos para
apresentar a tese de doutorado, não o fez por não ter recursos para continuar
residindo na Argentina. Segundo o reitor, porém, Decotelli não fez a defesa
oral da tese porque ela seria reprovada pelos examinadores. Agravando ainda
mais as suspeitas com relação ao seu currículo, a segunda acusação foi de que a
dissertação que Decotelli apresentou no término de seu curso de mestrado na
Fundação Getúlio Vargas (FGV) seria um plágio. Submetida a um programa de
informática elaborado para detectar plágio, verificou-se que trechos inteiros
da dissertação são cópias - sem os devidos créditos - de relatórios de órgãos
governamentais e de trabalhos acadêmicos, o que é tipificado como crime contra
a propriedade intelectual pela legislação penal.
Além do plágio no mestrado e do falso doutorado, Decotelli
incluiu no currículo Lattes a informação de que teria feito pós-doutorado na
Universidade de Wuppertal, na Alemanha. E, como já ocorrera na Universidade
Nacional de Rosário, o reitor da Universidade Wuppertal contestou a informação,
afirmando que Decotelli passou três meses na Alemanha como pesquisador e que
não adquiriu título algum nesse período. Na área administrativa, Decottelli
também foi apontado como um dos responsáveis por um estranho edital de
licitação publicado em 2019 pelo FNDE, para a compra de 1,3 milhão de laptops e
notebooks para a rede pública de ensino. Ao examinar o edital a
Controladoria-Geral da União descobriu que 350 colégios receberiam mais de um
laptop por aluno e que a Escola Municipal Laura de Queiroz, de Minas Gerais,
seria agraciada com 30.030 laptops para seus 255 estudantes. Decotelli deixou o
cargo e o edital foi anulado.
Quando Bolsonaro anunciou Decotelli para o MEC, sua nomeação
despertou a esperança de que finalmente o governo poderia definir com os
Estados e municípios uma política comum para assegurar o futuro dos estudantes
brasileiros, comprometido pelo avanço da covid-19. Cinco dias após sua
indicação, porém, fica evidente que ele está longe de ser a pessoa certa para o
cargo. Como pode transmitir algo construtivo quem não tem credibilidade nem
autoridade moral? Como pode ser levado a sério um ministro da Educação que
falsifica currículo?
Além de informação especializada transmitida com rigor metodológico, educação pressupõe formação moral e intelectual - e isso implica caráter, preparo para cidadania e integridade. Entregar a quem não tem essas virtudes a responsabilidade para conduzir a formação das novas gerações não é apenas um erro político que pode ser tolerado em nome da pacificação na gestão do sistema educacional brasileiro. Acima de tudo, é um crime contra as novas gerações.
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