A atual composição do Supremo Tribunal Federal é fruto de indicações
de seis diferentes presidentes. Este processo gerou uma Corte composta de
preferências políticas e ideológicas muito distintas. Apesar dessas diferenças,
percebe-se que as últimas decisões da Suprema Corte têm mostrado uma unidade
incomum entre seus onze membros, especialmente em se tratando de um plenário
tão diverso. Será que as heterogeneidades ideológicas e políticas entre seus
membros foram diluídas?
As decisões unânimes da Suprema Corte podem estar diretamente
relacionadas com os discursos e ações belicosas do presidente Jair
Bolsonaro e seus seguidores mais fiéis, que têm confrontado de
forma polarizada e plebiscitária as instituições democráticas, em especial o
próprio Supremo, mas também o Congresso
Nacional.
Precisou que o Supremo “pagasse para ver” ao demonstrar seu
compromisso firme com a democracia, por meio de decisões consistentemente
unânimes e contrárias às preferências do presidente, para que, mesmo
timidamente, os céticos e temerosos com a solidez das instituições democráticas
brasileiras percebessem que as ameaças autoritárias do presidente Bolsonaro não
passam de um blefe.
Se as chances de sucesso da estratégia de confronto com as
instituições democráticas são praticamente nulas, por que de Bolsonaro não
apenas insiste em utilizá-la, mas também o faz de forma cada vez mais virulenta
e ameaçadora?
Bolsonaro blefa porque essa é a uma das poucas armas, talvez
a única, que populistas plebiscitários, como ele, dispõem para continuar
alimentando seus vínculos políticos e identitários com seu núcleo duro de
eleitores. Bolsonaro, na realidade, encontra-se encurralado e,
consequentemente, necessita não apenas de conexões identitárias polarizadas,
mas da sua utilização com intensidade e frequência cada vez mais alta.
Quando Bolsonaro decidiu governar de forma minoritária,
rejeitando a necessidade de construir coalizões legislativas estáveis, ficou
cada vez mais dependente destas conexões diretas com seus eleitores para
sobreviver, especialmente a partir de apelos de perfil fortemente identitário
que funcionam como atalhos cognitivos de proteção para os membros do grupo.
A má gerência da pandemia do novo
coronavírus e os riscos decorrentes das investigações em curso
pela Polícia Federal e dos inquéritos no Supremo
obrigaram Bolsonaro a fazer importantes inflexões no seu governo contrárias aos
compromissos assumidos com seus eleitores. A montagem de uma coalizão de
sobrevivência com os partidos do Centrão e a intervenção na Polícia Federal,
que culminou com a saída de Sérgio Moro, são exemplos que corromperam
alguns dos pilares centrais que nutriam as conexões identitárias com seus
eleitores.
Sob risco de ver erodir ainda mais as suas conexões
identitárias e observar seus eleitores mais fiéis também se desgarrarem,
Bolsonaro não pode se dar ao luxo de simplesmente parar de falar. Precisa do
confronto polarizado para continuar a existir politicamente.
O presidente, portanto, enfrenta um dilema de difícil solução. Tem que manter seu núcleo duro firme e coeso por meio de apelos identitários cada vez mais inflamados e com alguma coerência, mas, ao mesmo tempo, não pode cruzar os limites institucionais que venham a colocar em risco o seu próprio mandato. Ou seja, precisa dar a impressão que vai para os extremos, mesmo que ele saiba que não pode fazer isso, pois o desfecho final será certamente desfavorável a ele mesmo.
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