O julgamento de ontem do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro mostra como são difíceis, e muitas vezes tortuosos, os caminhos da
Justiça. A transferência da primeira instância para o Órgão Especial do TJ da
competência para julgar o caso de Flavio Bolsonaro, acusado de ser o chefe de
uma quadrilha que cometeu peculato com o dinheiro público – a vulgarmente
chamada “rachadinha”, quando um parlamentar fica com parte do salário dos
funcionários de seu gabinete – beneficiou o filho do presidente por um lado,
mas não anulou as provas já obtidas durante a fase em que a primeira instância
cuidou do caso.
A defesa queria duas coisas: tirar o caso do juiz Itabaiana
e anular todas as provas obtidas nas investigações. Teve vitória parcial, e se
alguém foi beneficiado foi Flavio Bolsonaro, pois existe uma jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal (STF) de que quando o parlamentar perde o mandato, seu
caso vai para a primeira instância.
A alegação de que Flavio Bolsonaro era deputado estadual
quando cometeu o suposto crime, e por isso é beneficiado pelo foro
privilegiado, é uma dessas interpretações distorcidas que, com os recursos,
acabará sendo anulada no Supremo.
A decisão que limitou o foro privilegiado teve como relator
o ministro Luis Roberto Barroso numa Ação Penal, que não produz efeito
vinculante, o que quer dizer que não há obrigatoriedade de os desembargadores
aderirem a ela, embora fosse recomendável.
No entanto, com a decisão de passar para a segunda
instância, pela lógica todo o processo anterior deveria ter sido anulado, e o
inquérito começaria da estaca zero, o que não aconteceu. Pode vir a acontecer
quando a defesa de Flavio Bolsonaro recorrer ao Órgão Especial, órgão máximo do
Tribunal de Justiça do Rio, formado por 25 desembargadores. Mas pode também o
Órgão Especial considerar que a primeira instância é que é competente para
julgar o caso, seguindo a jurisprudência do STF.
Isso tudo para dizer que Bolsonaro acusar o Judiciário de
perseguir sua família por questões políticas não resiste a uma análise isenta.
Desde a prisão do seu amigo Fabrício Queiroz, acusado de ter parte com às
milícias e ser o coordenador da “rachadinha”, Bolsonaro está completamente
diferente, a começar pela feição. Sua postura no vídeo da saída do Weintraub,
no mesmo dia da prisão do Queiroz, mostra como está impactado com a notícia,
que o envolve diretamente, porque seu amigo foi preso na casa de Frederick
Wassef, advogado dos Bolsonaro.
Desde então, está calado, evita fazer aqueles mini comícios
na saída do Alvorada, baixou a crista, como se diz de um energúmeno que se
submeteu à realidade. Todos seus seguidores também reduziram muito os ataques,
e com ele calado, o clima político mudou muito.
Bolsonaro não passa da retórica, nunca teve um gesto para
unir as pessoas, sempre trabalha na desunião, na disputa política, na guerra. E
todo dia tinha assunto novo, um ataque a alguém, a alguma instituição. Ao
contrário, ontem amanheceu propondo novamente a união entre os Poderes. Esse
estender de mão é consequência do impacto que foi para Bolsonaro pessoalmente a
prisão do Queiroz.
Ele sabe o que está em jogo, sabe o que pode sair dali. Sabe
o que fez no passado, ele, seus filhos, o Queiroz, ele sabe que os inquéritos
no STF são fortes, está ficando cada vez mais claro que a interferência na
Polícia Federal existiu, e que o interesse era evitar processos contra o filho
Flavio senador e a prisão de Queiroz. Além do caso do impulsionamento de
WhattsApp no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Só há dois problemas para esse novo acordo proposto: o
primeiro é a pessoa do presidente, que não é nem controlável, nem confiável.
Depois, a cabeça dele não vai mudar – a busca do poder sem limitações, de que o
Executivo tem que comandar, que o Legislativo e o Judiciário o impedem de
governar. Ninguém ganha espírito democrático tendo sido autoritário a vida
inteira.
Qual é a solução para esse caso? Que Bolsonaro esqueça a tese de golpe, esqueça a tentativa de controlar outros Poderes, se adapte à democracia representativa, ao presidencialismo de coalizão e faça acordos com partidos políticos no Congresso dentro da legalidade. Mas entendendo que isso não absolve o Queiroz, nem o Flavio, nem o Jair de nada do que fizeram.
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