A leitura da História da Europa nos anos 30 mostra uma longa
tensão bélica entrecortada por pausas que enchiam de esperança os que sonhavam
com a paz. Poucos percebiam, como Winston Churchill, quão importante era
aproveitar os momentos de tensão para se preparar para um confronto inevitável.
Guardadas as proporções, o Brasil entra numa pausa com a
prisão de Fabrício Queiroz. Jogado na defensiva pelos diferentes processos no
Supremo, um contra fake news, outro contra manifestações com bandeiras ilegais,
Bolsonaro tende a se acalmar por alguns dias.
Toda a sua energia certamente estará concentrada em se
defender do pepino do tamanho de um cometa que ronda seu governo. A presença de
Fabrício Queiroz na casa do advogado da família Bolsonaro levou, de novo, não
só os problemas de Flávio Bolsonaro, mas a incômoda questão das milícias
cariocas para o terceiro andar do Palácio do Planalto.
Dificilmente, nesse período, crescerão as manifestações
pedindo o fechamento do Congresso e do STF. Muito menos Bolsonaro, Mourão e o
ministro da Defesa devem lançar novas notas afirmando que as Forças Armadas não
aceitam julgamentos políticos. Isso agora soaria como um blefe.
Muito possivelmente Bolsonaro perdeu terreno nas Forças
Armadas e também na faixa de seu eleitorado que esperava a luta contra a
corrupção. Nesta última ele já havia perdido com a saída de Sergio Moro do
governo denunciando suas tentativas de intervir na Polícia Federal do Rio. E as
perdas se acentuaram quando firmou aliança com o Centrão, uma espécie de seguro
contra o impeachment, que nem sempre é honrado pelos contratantes.
Quando a prisão de Queiroz apertou o botão “pausa” a
sociedade estava se organizando para deter o golpe e fazer frente à política
nefasta de Bolsonaro. Manifestações de rua surgiram aos domingos e manifestos
brotaram de vários setores, indicando a possibilidade de uma frente democrática
em gestação.
Nesse momento também a pandemia atingia seu auge,
ultrapassando a casa de 1 milhão de contaminados e 50 mil mortos. O Brasil
tornou-se um país a ser evitado. O fracasso no combate à pandemia, impulsionado
pelo negativismo de Bolsonaro, afasta os potenciais visitantes.
A destruição da Amazônia, que pode alcançar 16 mil km2 no
prazo de um ano, por sua vez, afasta os investidores. Fundos de pensão
responsáveis por investimentos gigantescos podem voltar as costas ao Brasil,
por causa da destruição da floresta e a cruel política para os povos indígenas.
Bolsonaro não torna o País inviável apenas simbolicamente,
arrasando a cultura e atropelando nosso patrimônio histórico. Ele nos coloca
nas piores condições possíveis para superar a profunda crise econômica,
agravada pela pandemia. Embora o ministro Paulo Guedes veja um futuro brilhante
pela frente, grandes economistas brasileiros, ao contrário, veem no horizonte
uma das grandes privações por que passará o Brasil em sua História.
Quem se preocupa com a democracia apenas quando se aquecem
os motores dos tanques militares pode ter uma falsa sensação de alívio. A
democracia continuará exposta a pequenos golpes cotidianos Além disso, quanto
menos margem de manobras Bolsonaro encontrar, mais possibilidade de buscar
ações desesperadas.
Enquanto a sociedade se move, ainda lentamente por causa da
pandemia, o confronto com as aspirações golpistas concentrou-se na reação do
Supremo Tribunal Federal. Infelizmente, o Congresso recuou para segundo plano,
talvez temeroso da agressividade da militância bolsonarista.
É preciso que os deputados e senadores superem a fixação
numa salvação individual nas eleições. Os deputados da extrema direita, segundo
a PGR, usam verbas parlamentares para mobilizar o fechamento do próprio
Congresso. Não há como se esconder atrás das togas negras do Supremo. É
necessária uma frente democrática no próprio Congresso.
“Somos poucos”, dirão os deputados. Mas não importa tanto o
número, o importante é começar. Se a pausa acionada com a prisão de Queiroz for
entendida como um momento de distensão, uma época para simplesmente deixar
andar o processo judicial, ela pode trazer surpresas desagradáveis…
Naturalmente, os processos legais têm de ser acompanhados.
Mas os danos ao País continuam a ocorrer. E a chegada de momentos mais
dramáticos da crise econômica pede a construção de redes de solidariedade.
Diz a OMS que o mundo sentirá por décadas os efeitos da
pandemia de coronavírus. No caso brasileiro, além da pandemia, vamos também
sentir por décadas a passagem de Bolsonaro pelo poder.
No trabalho de reparo dos estragos e reconstrução do futuro
não pode haver pausa. Mesmo porque as desgraças não nos abandonam nem no
cotidiano. O mínimo que esperamos de novo, nessa pausa, é uma voraz nuvem de
gafanhotos que nos invade pelo sul do País.
Um aumento de chances de vitória é uma razão suficiente para
intensificar a luta. Quanto menos nos preparamos para ela, mais difícil será o
desfecho. Sem necessariamente estabelecer um paralelo com o nazismo, a História
dos anos 30 é uma aula sobre as hesitações da democracia diante de um perigo no
horizonte.
Artigo publicado no Estadão em 26/06/2020
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