As chances de o senador Flavio Bolsonaro conseguir que seu
processo sobre a “rachadinha” continue na segunda instância no Rio de Janeiro
são próximas de zero. O decano do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de
Mello, defensor intransigente do fim do foro privilegiado, foi sorteado para
relatar uma ação do partido Rede contra a decisão do TJ do Rio, – ele deve
ficar também com a ação do Ministério Público do Rio -, mas qualquer dos
ministros atuais tem a mesma posição, alguns até mais drásticas.
O ministro Marco Aurélio Mello, na reunião de maio de 2018
que decidiu, por unanimidade, restringir o foro privilegiado para deputados
federais e senadores, parecia estar adivinhando a polêmica decisão do Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro que devolveu o processo do senador Flavio
Bolsonaro para a segunda instância do Poder Judiciário, contrariando a
jurisprudência definida naquela sessão.
Ao apoiar o voto de relator Luis Roberto Barroso, divergiu
quanto ao que chamou “perpetuação do foro”. Queria que ficasse explícito que,
caso a autoridade deixe o cargo, a prerrogativa cessa e o processo-crime
permanece, em definitivo, na primeira instância da Justiça.
Na semana passada, quando da decisão do TJ do Rio, Marco
Aurelio reagiu indignado: “É o Brasil do faz de conta. Faz de conta que o
Supremo decidiu isso, mas eu entendo de outra forma e aí se toca. Cada cabeça,
uma sentença”. Na mesma linha, depois de ajustar seu voto à maioria, o hoje
presidente do Supremo Dias Toffoli propôs naquela ocasião estender a todas as
autoridades que tenham prerrogativa de julgamento em instâncias superiores,
inclusive ministros do Supremo e do Ministerio Público, a restrição ao foro
privilegiado.
Foi acompanhado pelo ministro Gilmar Mendes, que queria até
a edição de uma súmula vinculante considerando inconstitucionais dispositivos
de constituições estaduais que estendessem a prerrogativa de foro a autoridades
em cargo similar ao dos parlamentares federais. Pouco tempo depois, o STF
considerou inconstitucional uma decisão do Tribunal de Justiça do Maranhão que
estendia a diversas autoridades o foro privilegiado.
Naquele 3 de maio de 2018, o Supremo decidiu, de acordo com
o relator, ministro Luis Roberto Barroso, que o foro por prerrogativa de função
conferido aos deputados federais e senadores se aplica apenas a crimes
cometidos no exercício do cargo e em razão das funções a ele relacionadas.
Em seu voto, Celso de Mello declarou-se a favor do fim de
todas as prerrogativas em matéria criminal, que é o caso de Flavio Bolsonaro,
por entender que todos os cidadãos devem estar sujeitos à jurisdição comum de
magistrados de primeira instância,. Já no início do julgamento do chamado
mensalão ele havia defendido que a questão do foro privilegiado merecia uma
nova discussão.
A nova interpretação da Constituição foi um marco na
restrição do foro, fazendo uma atualização dos procedimentos adotados
anteriormente, quando o foro privilegiado protegia para sempre seu detentor,
mesmo quando ele já não exercia a função que lhe dava essa prerrogativa
especial, como acontece hoje com o senador Bolsonaro.
A tentativa de escapar da primeira instância é tão evidente
que sua defesa já tentara anteriormente mudar o foro para o Supremo, alegando
que Flavio Bolsonaro agora fora eleito Senador. O STF recusou essa manobra.
Essa dança das instâncias judiciais, aliás, era uma truque muito usado pelos
parlamentares, que a cada nova eleição conseguiam mudar o foro para a primeira
instância, levando a que o processo voltasse sempre à estaca zero, até a
prescrição.
Por isso, a decisão do Supremo naquela sessão de 2018, por
proposta do relator Luis Roberto Barroso, foi de que, na publicação do despacho
de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para
processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente
público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que
seja o motivo.
Era comum a renúncia do parlamentar quando o processo chegava na fase final, para que ele retornasse à primeira instância. Flavio Bolsonaro está fazendo o inverso, quer sair da primeira instância, onde as investigações já estão avançadas, para tentar anular todas as provas já obtidas nesses dois anos de investigações. Só que lhe resta pouco tempo.
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