É evidente que Jair Bolsonaro busca uma espécie de
quadratura do círculo ao cooptar, com cargos e verbas, parlamentares do
famigerado centrão para a defesa de seu mandato —depois de uma campanha
eleitoral baseada na demonização do que chama de “velha política”.
Não espanta, pois, que 67%
dos brasileiros aptos a votar considerem que o presidente age mal, segundo
pesquisa do Datafolha, ao negociar apoios no Congresso com as moedas do mais
descarado fisiologismo. Entre eleitores de Bolsonaro, 52% pensam dessa maneira.
Na aproximação mal disfarçada com os operadores do varejo
legislativo há, decerto, um cálculo de desespero. O chefe de Estado percebeu a
erosão de sua governabilidade e buscou amparo onde podia.
Patrocinou, na prática, um casamento inusitado entre ala
militar do governo, sempre tão ciosa de sua pureza, e o mal-afamado centrão.
Todos terão de dividir postos na Esplanada brasiliense.
Os fardados promoveram uma deplorável intervenção no
Ministério da Saúde, cujo resultado até aqui foi ampliar o risco de morte na
pandemia e uma submissão a teses da ala ideológica que tanto odeiam.
Ao mesmo tempo, liberaram espaço para os neogovernistas na
Educação, às expensas dos discípulos de Olavo de Carvalho.
Mais está por vir. Bolsonaro teme, com bons motivos, que um
pedido de impeachment acabe por prosperar. Se não agora, em breve.
A tática é lógica, mas, tal e qual a cloroquina, pode ser
ineficaz e embutir danos para o paciente. Bolsonaro foi eleito prometendo
imolar o centrão no altar da Lava Jato.
Isso acabou. O totem da luta anticorrupção do governo,
Sergio Moro, foi embora atirando. E a oferenda anunciada agora senta à mesa das
benesses do Estado —isso para não citar sua lealdade porosa.
Bolsonaro tem visto sua rejeição subir, em especial no que
tange à pilha de caixões que ajuda a engrossar, mas seu apoio segue estável.
Tal ambiente se mostra propenso a chacoalhadas sísmicas,
como o episódio do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. Ruídos
autoritários como a ameaça institucional feita pelo ministro-general Augusto
Heleno demonstram a volatilidade inerente ao arranjo.
Se o governo podia ostentar a fidelidade à agenda tresloucada da campanha eleitoral, agora esse ativo se perde. Além de desqualificado aos olhos de uma parcela crescente do país, Bolsonaro pode ser tachado de traidor em sua base.
Nenhum comentário:
Postar um comentário