“Ninguém nasce racista vô, a gente aprende a ser racista”,
disse meu filho de 11 anos ao avô em uma conversa pela internet, quando
discutiam as manifestações que ocorrem nos Estados Unidos desde o assassinato
de um homem negro, George Floyd, por um policial branco na cidade de
Minneapolis há uma semana.
A morte brutal de Floyd foi o estopim de manifestações
antirracistas que já alcançaram mais de cem cidades americanas. Locais
como Nova York e Washington adotaram o toque de recolher, proibindo a
circulação de pessoas entre 20h e 5h.
Nos Estados Unidos, assim como no Brasil, as desigualdades
socioeconômicas e de acesso à saúde levam a um maior
número de mortes causadas pela Covid-19 entre negros do que entre
brancos. Em Chicago, 68% das mortes causadas pelo vírus são de negros, mesmo
que representem 30% da população. Não há razão para supor que o quadro não seja
diferente no Brasil.
Na educação, as pesquisas existentes nos dois países
demonstram que os estudantes
negros têm uma maior probabilidade de fracasso escolar. Também os negros
são maioria entre os desempregados e entre os que recebem os menores salários.
Aprendemos a ser racistas desde cedo ao não enxergarmos os
negros em espaços de poder: não estão ou estão sub-representados na direção das
empresas, na política, na mídia, nos tribunais superiores, nas bancadas de
programas de TV, nas universidades, nas salas de aula. Do ponto de vista simbólico,
esquadrinhamos inconscientemente os “lugares” de brancos e negros.
Esse “espaço simbólico” certamente contribui para que as
mortes de jovens negros nas periferias do Brasil —como foi o caso
do menino João Pedro— não causem a comoção social que merecem. Assim como
não nos causa estranhamento a esmagadora presença de jovens negros no sistema
penitenciário brasileiro.
Se a gente aprende a ser racista, pode “desaprendê-lo”, como
meu filho provocou. A educação formal é fundamental nesse processo, sendo ela
também uma estrutura de poder.
Se ver pessoas negras ocupando lugares de poder importa na
desconstrução do racismo, precisamos de mais professores negros. Uma medida
importante é a de estabelecer cotas para a contratação de negros no ensino
básico —a exemplo do que acontece na cidade de São Paulo— e nas universidades
públicas.
Ao analisar dados de estudantes da Carolina do Norte entre
os anos de 2001 e 2005 (“The Long-Run Impacts of Same-Race Teachers”),
pesquisadores do departamento de Economia da Universidade Johns Hopkins
concluíram que estudantes negros de baixa renda que tiveram ao menos um
professor negro entre o terceiro e o quinto ano dos anos iniciais do ensino
fundamental tiveram melhores notas que seus colegas que não tiveram essa
oportunidade.
A chance desses estudantes deixarem os estudos foi 39%
inferior aos dos colegas que tiveram apenas professores brancos. Alunos negros,
ao se verem representados na figura de seus professores, têm melhor desempenho
e permanecem na escola.
Não basta garantir a presença de mais professores negros nas
escolas e universidades. É um erro considerar que o racismo se encerrará no
ambiente educacional apenas com a adoção de uma política de cotas bem
desenhada. Para isso é preciso atuar no redesenho dos currículos e na formação
continuada dos professores.
Nossos currículos escolares, além de incorporar
a história da África, devem promover o estudo da contribuição dos negros na
formação da nossa sociedade, nossa história e nossa cultura. Quantos aspirantes
ao curso de direito conhecem a história
de Luis Gama? Quais estudantes de administração no Brasil conhecem a
contribuição para o campo de administração pública de Guerreiro Ramos, também
um intelectual negro? Quantos aspirantes a engenheiro conhecem a história de
André Rebouças?
Por fim, os programas de formação de professores devem
prever o reconhecimento e a mudança de práticas que reproduzem o racismo nas
escolas. Como professores brancos reconhecem a capacidade e a potência dos
estudantes negros? Como montam sequências didáticas que incorporem a
necessidade de superação do racismo? Como fazem as escolhas de literatura para
uso em sala?
A educação pode ter um papel fundamental não só para que
deixemos de naturalizar o racismo estrutural, presente em nossas instituições,
mentes e atitudes. Mas especialmente para que nós, brancos, entendamos a luta
antirracista, mas como uma condição necessária para a construção da democracia
e da redução das desigualdades no Brasil.
Alexandre Schneider
Pesquisador visitante e professor adjunto da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP, consultor e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.
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