Não é que os planos de reabertura econômica dos governadores
sejam irracionais. Eles se baseiam nos parâmetros cientificamente relevantes,
como a evolução do contágio e a ocupação dos leitos hospitalares, e, mais
importante, preveem a possibilidade de volta do isolamento social, caso os
números piorem.
Receio, porém, que eles tenham deixado de levar em conta
aspectos menos racionais do comportamento humano.
Num mundo ideal, em nome da previsibilidade, as discussões
sobre como sair da quarentena precederiam a própria quarentena. Só que não
vivemos num mundo ideal, mas sim em um no qual a simples menção a uma abertura
futura faz com que muitas pessoas passem a comportar-se como se já tivéssemos
voltado à normalidade, sabotando os esforços de distanciamento social.
Dada essa idiossincrasia humana, que é bem conhecida de
psicólogos, psiquiatras e economistas comportamentais, não sei se foi muito
inteligente falar em retomada num momento em que, em grande parte dos estados,
ainda é forte a circulação comunitária do vírus. O risco é vermos as curvas
voltarem a subir antes mesmo de as termos estabilizado.
Nesse quesito, o Brasil não está se saindo muito bem. Acho
que nosso relativo fracasso tem algo a ver com o tão celebrado jeitinho
brasileiro, definido como flexibilidade criativa em relação a regras. Um bom
exemplo é o do empresário que, para poder abrir suas lojas de eletrodomésticos,
passou a vender também arroz e feijão.
Não digo que o jeitinho seja sempre ruim. Há muitas situações em que jorros de flexibilidade são desejáveis. Mas a contenção de uma epidemia não é uma delas. Vírus tendem a ser inflexíveis. O resultado disso são quarentenas meia-boca, que não bastam para reduzir substancialmente a circulação do Sars-CoV-2 e, justamente por isso, vão prolongando os dolorosos efeitos da inatividade econômica. É uma espécie de pior dos mundos pandêmico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário