A crise social e econômica pela Covid-19 criou unanimidade
na defesa da Renda Básica da Cidadania Universal. Este apoio à generosidade de
uma renda para os pobres é natural, mas é incorreto passar a ideia de que ela
promove inclusão social. Deve-se apoiar a ideia da renda mínima, alertando para
o fato de que se trata de um gesto sem consequência emancipadora da pobreza
real. Uma ferramenta positiva para reduzir a penúria, sem superar a realidade
da pobreza.
Quando a ideia da Bolsa Escola foi divulgada, em 1987, no
livro “A revolução nas prioridades”, seu nome era Renda Mínima Vinculada à Educação.
Reconhecia o papel inspirador de Eduardo Suplicy, mas explicitava a diferença
estratégica com a Renda Mínima. A adoção posterior do nome Bolsa Escola teve
como propósito deixar claro que no lugar da renda era a educação que faria a
inclusão, a bolsa era um salário à mãe para que seus filhos não faltassem às
aulas.
A Renda Mínima parte do conceito de que a pobreza pode ser
atendida pelo aporte de dinheiro à família para ela comprar o que precisa no
mercado. Distribui uma pequena renda, sem distribuir patrimônio. A Renda
Vinculada parte do conceito de que a pobreza decorre da falta de acesso a uma
cesta essencial, composta por, no mínimo: comida; endereço com água potável,
coleta de lixo e esgoto; educação de base com qualidade; atendimento ambulatorial
e hospitalar; transporte público.
Parte da cesta essencial exige renda e compra no mercado,
parte exige acesso a bens e serviços públicos. A Renda Vinculada à Inclusão
funciona como um incentivo monetário que assegura renda para o beneficiário
pagar pela comida e transporte público, e induz seu trabalho na produção de
serviços de que sua família precisa para completar a cesta essencial: educação,
saneamento, moradia. Além disso, diferentemente da distribuição mínima de
renda, distribui também o patrimônio produzido.
A Bolsa Escola é um exemplo. Transfere renda para enfrentar
as necessidades imediatas, mas, ao exigir que as crianças frequentem a escola
até o final do ensino médio, promove a inclusão social. A bolsa atende à
possibilidade de sobrevivência, a escola induz a sair da pobreza. O mesmo
conceito se aplica aos outros incentivos sociais que atuam como rendas
emancipadoras, tais como: pagamento condicionado a melhorar a própria moradia
do beneficiado; renda vinculada à plantação de árvores no bairro, à construção
ou cuidado de parques infantis, pintura de escolas; bolsa para analfabetos
aprenderem a ler; renda para jovens fazerem serviço militar-civil ou para
obterem um ofício; um salário para pessoas se submeterem a treinamento e depois
cuidarem de crianças sem vaga em creche; emprego em obras de saneamento;
pagamento de renda para promover desmigração de quem desejar sair de grandes
cidades e voltar à sua cidade de origem.
O beneficiado que recebe uma renda mínima sem vinculação
necessita ser rentista para sempre, sem sair da pobreza; aquele que recebe uma
renda inclusiva, com vinculação, ao final de um prazo, tem o patrimônio que ele
produziu: a casa ampliada, rebocada, pintada, com saneamento; os velhos
alfabetizados e os filhos educados. A renda atende às necessidades imediatas,
seu condicionamento promove a ascensão social, graças ao que será produzido.
O custo financeiro de um programa de Renda Inclusiva pela
Vinculação seria o mesmo de um programa de Renda Básica da Cidadania; requer,
entretanto, esforço gerencial do Estado na sua execução. Por isso, a
simplicidade da ideia da renda mínima sem condicionamento sensibiliza os
defensores da estratégia do “neoliberalismo social”, com o Estado mínimo,
limitado a uma rede de agências bancárias, como está sendo feito com o Auxílio
Emergencial.
*Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília. Engenheiro, doutor em Economia, foi Reitor da Universidade de Brasília, governador do Distrito Federal, ministro da Educação, foi Senador da República (PPS-DF).
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