Os adversários do liberalismo econômico, à direita e
principalmente à esquerda, são de três tipos:
Há os que dizem que o liberalismo, o neoliberalismo e a
teoria econômica convencional estão todos obsoletos, já mortos, ainda mais
agora com a pandemia.
Há os que dizem que o liberalismo econômico é hegemônico no
Brasil e, por isso, precisa ser abandonado, uma vez que a economia brasileira
está estagnada desde os anos 1980.
E há os que dizem as duas coisas.
Sobre os do tipo número dois, me ocorre um comentário a esse
respeito do próprio Roberto Campos, feito nos idos de 2000, quando afirmou que,
até aquele momento, o liberalismo ainda não havia sido tentado no Brasil.
Campos deixou esse mundo em 2001.
Pois bem, depois disso o PT fez dois presidentes que foram
reeleitos, e os dois outros presidentes a seguir, colegas improváveis de Campos
da 50.ª legislatura (entre 1991 e 1994), Michel Temer e Jair Bolsonaro, nada
tinham de liberais.
É verdade que o Brasil está estagnado desde os anos 1980,
mas muito provavelmente isso tem a ver com deficiência de liberalismo, e não
com hegemonia.
Sobre os que dizem que o liberalismo e o saber convencional
em economia estão mortos, seria bom lembrar que uma das piores consequências do
politicamente correto, à esquerda e à direita, era desvalorizar a “expertise”.
A internet, como se sabe, cada vez mais funciona como uma
espécie de memória auxiliar do cérebro humano: o que você não sabe, pode ser
encontrado no Google ou na Wikipedia, em segundos, basta teclar no seu celular.
Com esses auxílios, qualquer um se torna um especialista ou, pior, um
apoquentador de especialistas: subitamente, a expertise não apenas não vale
mais nada como atacá-la virou uma demonstração de independência e
desprendimento. Os novos idiotas da objetividade são os cretinos da internet,
Nelson Rodrigues e Humberto Eco estariam rigorosamente na mesma página nesse
assunto.
A ciência devia nos guiar, sobretudo quando a noite cai,
mas, em vez disso, nesse clima de rede social sem controle há tempos que se
ouve que a ciência é apenas uma narrativa, uma de muitas, e que todas são
legítimas, todas estão presentes na internet, ao alcance dos dedos, e que vai
prevalecer a que tiver mais clicadas.
Sou um otimista, acho que vai ser o contrário, a pandemia
vai sumir com essa cretinice de que a ciência é apenas uma narrativa. Tomara
que seja também o caso da medicina alternativa em economia, que possui uma
vertente milagreira de viés contábil, crescentemente presente em Brasília, com
o auxílio da qual sempre se pode encontrar algum tesouro escondido (amiúde no
balanço do Banco Central) que vai pagar todas as contas da pandemia, ou algum
truque contábil que vai fazer sumir as dívidas do Estado.
É claro que são truques ordinários, como o que fazia
desaparecer o déficit da Previdência com uma reclassificação contábil, e que
nada se resolve desse jeito. Mas os políticos adoram. Perde-se tempo precioso
com isso, remédios milagrosos, cloroquina contábil.
O fato é que a urgência sanitária vai elevar o gasto e a
dívida pública a níveis impensáveis em 2020. Depois de muito esforço, nesse ano
íamos fazer um déficit de uns R$ 100 bilhões, e estávamos na beira do
precipício da sustentabilidade fiscal. Pelo que se fala no Congresso, o déficit
vai para perto de um trilhão, e a dívida pública vai chegar em 100% do PIB.
Como será o funcionamento do governo federal nessas
condições? Será parecido com o que se vê em alguns Estados quebrados? Atrasos e
calotes todo o tempo? Como nos países que lutaram na Segunda Guerra durante
muitos anos depois do término do conflito?
As democracias liberais não deixam de ser democracias, nem
deixam de ser liberais, quando lutam guerras. Democracias adultas pagam as suas
contas e sabem de onde vem o dinheiro. A pandemia não pode servir de pretexto
para ressuscitar a feitiçaria econômica.
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