No dia 25 de junho, a 3.ª Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) decidiu, por 2 votos a 1, não seguir a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e concedeu a Flávio Bolsonaro
foro especial por prerrogativa de função na investigação sobre suposto desvio
de dinheiro público, a chamada “rachadinha”, no gabinete do então deputado
estadual e atual senador do Republicanos. Com a decisão, o inquérito deverá ser
encaminhado para o Órgão Especial do TJ-RJ. O novo relator do caso será
escolhido por sorteio, entre os 25 desembargadores que compõem o órgão.
No habeas corpus impetrado em favor de Flávio Bolsonaro,
pediu-se também a anulação dos atos praticados ao longo do inquérito pelo juiz
Flávio Itabaiana Nicolau, da 27.ª Vara Criminal. Mas a 3.ª Câmara Criminal
negou o pedido da defesa, mantendo intactas todas as decisões do magistrado de
1.ª instância, como a ordem de prisão para Fabrício Queiroz. Nesse ponto, os
desembargadores aplicaram, de forma subsidiária, a regra do Código de Processo
Civil que preserva a validade das decisões do juízo incompetente.
Ainda que tenha havido esse cuidado por parte dos
desembargadores da 3.ª Câmara Criminal, a decisão sobre a competência relativa
ao inquérito das “rachadinhas” é um tanto peculiar. Confere foro especial por
prerrogativa de função a quem não mais ocupa a função. Segundo a jurisprudência
do STF, tal situação só deveria ocorrer se o processo penal já estivesse em
fase das alegações finais. Aqui o caso é muito diferente, não havendo sequer
ação penal. Trata-se de um inquérito.
O que mais chama a atenção neste caso não é, no entanto, a
decisão do TJ-RJ, que ainda pode ser revertida pelos tribunais superiores. A
maior perplexidade decorre do comportamento do próprio Flávio Bolsonaro ao
longo do inquérito, aberto em 2018. De lá para cá, o filho mais velho do presidente
Bolsonaro não trouxe nenhum esclarecimento a respeito dos fatos investigados.
Sua atuação no caso se limita a levantar insistente e repetidamente questões
processuais. Desde o segundo semestre de 2018, quando o Estado revelou a
existência do inquérito sobre supostas práticas ilegais no gabinete do então
deputado estadual, Flávio Bolsonaro não enfrentou nenhuma questão substantiva
do caso. Apenas tenta, de forma acintosa, paralisar as investigações.
No primeiro semestre do ano passado, por exemplo, Flávio
Bolsonaro conseguiu levar até o Supremo uma discussão sobre quebra de sigilo
bancário. Havia movimentações financeiras suspeitas, mas o filho do presidente
Bolsonaro preferiu alegar que o Ministério Público não tinha o direito de usar
no inquérito aquelas informações. Com esse argumento, a defesa de Flávio
Bolsonaro conseguiu uma decisão do presidente do STF, ministro Dias Toffoli,
interrompendo o andamento das investigações. Depois o plenário da Corte
derrubou a liminar, mas o fato é que o caso ficou parado por quatro meses.
Agora, com a decisão da 3.ª Câmara Criminal tirando o
inquérito da 1.ª instância, Flávio Bolsonaro anunciou que seguirá nessa mesma
linha de atuação, apenas suscitando questões processuais. “Como o Tribunal de
Justiça reconheceu a incompetência absoluta do juízo de 1.ª instância, a defesa
agora buscará a nulidade de todas as decisões e provas relativas ao caso desde
as primeiras investigações”, afirmaram, em nota, os advogados de Flávio
Bolsonaro.
Não há dúvida de que a Justiça deve obedecer estritamente à
legislação processual, especialmente em temas penais. Mas é também inegável que
o País merece esclarecimentos substantivos a respeito do caso das
“rachadinhas”. São muitos os indícios de malfeitos. São muitos os fatos mal explicados;
entre outros, a repentina demissão de Fabrício Queiroz entre o primeiro e o
segundo turno das eleições, as movimentações suspeitas de recursos (teve até
depósito na conta da futura primeira-dama), as relações com o miliciano Adriano
da Nóbrega e a hospedagem do ex-assessor na casa do advogado Frederick Wassef.
Para angariar votos em 2018, Jair Bolsonaro e filhos valeram-se do discurso do combate à corrupção e à impunidade. Agora, valem-se de artimanhas processuais - e a bandeira da Lava Jato não foi mais vista.
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