Três cenários de
horror e uma saída para o mundo depois da pandemia
O mundo pode
continuar no caminho da degradação até o ponto de surgir algo ainda pior do que
desigualdade, descrença na democracia e nacionalismo populista. Pode sucumbir à
tentação de adotar um despotismo eficaz como o da China. Talvez se renda à
opressão privada das empresas gigantes de tecnologia.
Daron Acemoglu pinta
esses cenários para um mundo depois da pandemia. Saída: retomar os avanços da
social-democracia, prejudicada pela maré conservadora que subiu nos anos 1980.
Economista,
historiador e professor do MIT, Acemoglu ficou mais conhecido pelo livro “Por
que as Nações Fracassam”, que escreveu com James Robinson. Cedo ou tarde, deve
ganhar um Nobel por algum dos seus trabalhos teóricos, um monte impressionante.
Na idiotice do debate brasileiro, seria chamado de “ortodoxo”. Publicou no site
Project Syndicate um artigo sobre o Estado no pós-Covid.
A pandemia é o que
chama de “momento crítico”, um dos raros abalos que tiram a história dos países
de certo movimento inercial. As consequências desses choques são incertas, mas
pequenas diferenças nas decisões ou oportunidades de como enfrentá-los levam a
desenvolvimentos muito diferentes e dificilmente reversíveis no longo prazo. O
abalo atual é o enorme aumento do papel do governo (mais gasto, mais
intervenções, mais vigilância) e/ou a necessidade de governança maior e mais
competente.
No cenário “business
as usual trágico”, não há mudança institucional. A desigualdade social e
econômica se torna endêmica, assim como o desprezo por especialistas e ciência.
A polarização e a descrença nas instituições democráticas se agravam.
Assim, governos mais
poderosos e maiores, mas incapazes de lidar com a crise socioeconômica,
provocam mais revolta ou mais indiferença pela vida pública. A tragédia é a
desintegração da política democrática, como já se vê.
No cenário “China de
Leve”, insegurança e incerteza podem levar as pessoas a querer um Leviatã. Pelo
menos a pandemia indica que um governo forte é necessário para lidar com emergências.
A China seria um
exemplo: sua infraestrutura política e técnica de controle social deu resposta
mais rápida e eficaz à desgraça do vírus. Democracias seriam tidas como
ineficientes e lerdas para lidar com crises tais e um mundo globalizado.
Aos poucos, o poder
ampliado dos governos e a imitação de exemplos do despotismo opressivo mais
eficaz dos chineses levariam os EUA a serem uma versão “bastarda” da China, sem
as competências burocráticas tradicionais, um “Detran” atrapalhado por tuítes
presidenciais.
No cenário “servidão
digital”, as grandes empresas de tecnologia substituem cada vez mais o governo.
Começam por testar e rastrear doentes; dão soluções à administração remota de
fábricas e escritórios. Quanto mais indispensáveis, mais poderosas, dadas a
subserviência e a inoperância dos governos.
O público deixaria
de vez de se opor à coleta e à mercantilização de seus dados; à manipulação de
seu comportamento. A economia da inteligência artificial seguiria na sua toada,
que não é inevitável: produz desigualdade e obriga trabalhadores a viver da
ninharia da renda básica.
A saída é pela
social-democracia. Por que tal movimento não ocorreu até agora, se a tensão
social e econômica fervilha ou explode, como nos protestos nos EUA? Acemoglu
não diz. A crise é uma oportunidade de reorganizar a campanha por mais seguros
sociais e regulação mais inteligente até para domar a iniciativa privada da
inteligência artificial, de modo a criar mais empregos.
O governo, maior depois da epidemia, tem de ser controlado por novos meios de participação política democrática. Já aconteceu, depois da Grande Depressão e da Segunda Guerra. É preciso fazer política para que dê certo de novo.
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