O aperto de uma camisa de força
Acendeu a luz amarela no entorno do presidente Jair
Bolsonaro. Ele está mais nervoso do que de costume, mais irritado, tanto ou
mais explosivo do que sempre foi. Contraditoriamente, às vezes permanece calado
quando dele se esperava uma palavra ou reação. Se antes já não dormia bem,
agora dorme menos ainda. Por vezes, parece deprimido, desanimado.
São sintomas que caracterizam a síndrome de abstinência, uma
vez interrompido de sopetão o consumo de determinado remédio ou droga do qual
dependia o humor do paciente. No caso de Bolsonaro, sua droga era o palavrório.
Ou melhor: a liberdade para dizer o que quisesse sem medir as consequências.
Estava também acostumado com plateias à espera de ouvi-lo.
De repente, tudo isso lhe foi cortado. É como se tivesse
perdido ao mesmo tempo dois direitos que sempre lhe foram especialmente caros:
o de expressar sem medo o que pensava; e o de ir e vir livremente. Devotos no
cercadinho à entrada do Palácio da Alvorada não há mais. Aparições de surpresa
no comércio de Brasília, tampouco. Manifestações políticas de rua, só em sonhos.
E até quando ele suportará viver submetido a tão draconianas
regras? Não que elas lhe tenham sido impostas sem a sua concordância. Sim, era
necessário que parasse de esticar a corda que ameaçava romper-se – afinal,
depois da saída de Mandetta e de Moro do governo e da aposta errada na
“gripezinha”, Queiroz foi preso e apertou o cerco judicial aos seus três filhos
zeros.
Bolsonaro sente-se como se estivesse metido numa camisa de
força, e já disse. Ministros militares, atentos a sinais de perigo, registraram
os primeiros e os transmitiram aos seus antigos chefes. Em pelo menos um
ministério, às escondidas do seu titular, corre um bolão sobre o número de dias
que Bolsonaro resistirá à tentação de atravessar a rua para pisar numa casca de
banana.
Façam suas apostas.
Uma mão lava a outra e as duas podem ficar sujas
Ibaneis chama o Covid-19 de gripezinha e quer dinheiro
Uma coisa é uma coisa, outra é outra. Complicado muitas
vezes é quando uma coisa é o oposto da outra e você é obrigado a se explicar. É
a situação que vive o governador Ibaneis Rocha (PMDB) depois de ter decretado,
na última segunda-feira, Estado de Calamidade no Distrito Federal, e anunciado
no dia seguinte a reabertura de todas as atividades econômicas apesar da
pandemia.
Ibaneis foi o primeiro governador do país a adotar medidas
de isolamento para limitar a circulação de pessoas. No dia 28 de fevereiro,
antes mesmo da confirmação do primeiro caso da doença, decretou emergência nos
seus domínios. No dia 11 de março, suspendeu aulas e proibiu eventos. Foi
elogiado por isso pelas autoridades médicas. O que deu nele agora?
O Estado de Calamidade facilita a obtenção de verbas que
dependem do Ministério da Saúde. Ibaneis jantou com o general Eduardo Pazuello,
ministro interino da Saúde, e defendeu sua efetivação no cargo. “Quem entende
de guerra é general, e o que estamos travando é uma guerra contra o
coronavírus”, afirmou. Quanto a acabar com o isolamento social e logo agora…
No final da semana passada, médicos advertiram que haveria
um novo crescimento da doença no Distrito Federal e que mais de 90% dos leitos
de UTIs da rede pública estavam ocupados. Sugeriram a Ibaneis decretar o
fechamento total das atividades econômicas. O governador negou que houvesse
risco de colapso do atendimento médico. O colapso aconteceu na terça-feira.
Sob a pressão do governo federal e de empresários para que
ajudasse a salvar a economia, Ibaneis finalmente cedeu, jogando a culpa na
população que teria desobedecido à sua ordem de ficar em casa. Em entrevista ao
jornal O Estado de S. Paulo, chegou a chamar o Covid-19 de “gripezinha” que,
como tal, deveria ter sido tratada desde o início. E avisou aos seus eventuais
críticos:
– Não adianta querer colocar nas minhas costas o sofrimento
dos outros.
De resto, Ibaneis sente-se em dívida com o presidente porque mandou a polícia fechar acampamentos de bolsonaristas espalhados pelo Distrito Federal e proibiu manifestações de natureza antidemocrática na Esplanada dos Ministérios. De Bolsonaro, ele aguarda o reconhecimento, se possível em dinheiro, por ter procedido até aqui com a melhor das intenções.
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