O comportamento do presidente Jair Bolsonaro desde a prisão
de seu amigo Fabricio Queiroz assemelha-se ao de Lula depois do escândalo do
mensalão em 2005. A estratégia deu certo para Lula, que se reelegeu em 2006
mas, diferentemente, Bolsonaro não conta com a economia a seu lado. Naquele ano
as exportações bateram recorde, o Real valorizou-se, a inflação ficou sob
controle. A economia mundial estava crescendo, e o Brasil, apesar da crise
política, conseguiu captar dinheiro no exterior.
As denúncias de corrupção não causaram grandes danos
imediatos à popularidade de Lula, que tinha um índice de ótimo ou bom de 36%,
mas em dezembro daquele ano de 2005 o Datafolha já registrava que esse índice
caíra para 28% da população, o menor nível desde seu primeiro dia no Palácio do
Planalto.
No dia em que o publicitário Duda Mendonça confessou na CPI
dos Correios que recebera dinheiro ilegal em um paraíso fiscal como pagamento
da propaganda para a campanha presidencial que elegeu Lula em 2002, houve choro
no Congresso, e daí nasceu o Psol, com dissidentes do PT.
Foram meses com o fantasma do impeachment rondando o Palácio
do Planalto, e houve até mesmo uma tentativa de acordo, levada a cabo pelos
ministros Antônio Palocci, da Fazenda, e Marcio Thomaz Bastos, da Justiça, para
que a oposição não insistisse no processo, com o compromisso de Lula desistir
da reeleição.
A oposição, na definição do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, não tinha “gosto de sangue” na boca e temeu a ameaça de que os
chamados “movimentos sociais” sairiam à rua para defender o mandato de Lula. O
próprio Fernando Henrique dizia que não era inteligente criar um “Getúlio
vivo”, referindo-se ao episódio do suicídio de Getúlio Vargas, que reverteu o
estado de espírito da população a favor do presidente morto.
O mesmo temor de um impeachment contra Bolsonaro provocar
reação de seus seguidores, ou dos militares que se transformaram em uma teórica
força política de apoio ao governo, faz com que a questão ainda esteja fora de
cogitação imediata. A pandemia da Covid-19, que ajudou a piorar a imagem do
presidente Bolsonaro interna e externamente, ao mesmo tempo impediu que os
protestos contra seu governo se materializassem nas ruas.
O PT em 2005 ainda dominava as manifestações populares, mas
Bolsonaro hoje já perdeu essa hegemonia. É muito provável que quando a vida
voltar ao normal, com o Congresso atuando presencialmente, o debate político se
acirre e transborde para manifestações populares além da bateção de panelas nas
janelas durante a quarentena.
O programa Bolsa Família, que teve início em 2004 ajudou a
garantir a popularidade de Lula entre os mais carentes, especialmente no
nordeste, mas Bolsonaro não tem dinheiro para criar o Renda Brasil, que seria
uma versão ampliada do programa implantado pelo PT.
O auxílio emergencial, que será prorrogado para mais dois
meses, tem ajudado a compensar a perda de apoio entre as classes média e alta,
mas seu fim pode criar uma fragilidade no apoio das classes C e D. A crise
econômica provocada pela Covid-19, com previsão de queda do PIB de cerca de 9%
este ano, não ajudará o governo, ao contrario do que aconteceu com Lula, que
conseguiu em 2005 um aumento no nível de empregos e um crescimento econômico de
cerca de 2,5%, que, embora baixo, é um sonho inatingível neste momento.
O apoio do Centrão, negociado à base de troca de favores,
tem a mesma origem. Lula recusou no início de seu governo um acordo com o PMDB,
e só depois do escândalo do mensalão a presença do partido tornou-se oficial no
primeiro escalão.
Os partidos que formam o centrão, na sua maioria, estavam
envolvidos no esquema do mensalão, enquanto o PMDB, por não fazer parte do
governo, ficou de fora das acusações. Hoje, ao contrário, Bolsonaro fez um
acordo direto com o Centrão, apesar do passado que condenara durante a campanha
presidencial.
Lula chegou ao governo indo para o centro. Bolsonaro chegou à presidência na radicalização política de direita, para se contrapor ao Lula radical de esquerda. Depois de um ano e meio no mesmo diapasão radical de direita, Bolsonaro quer se transformar em moderado, para superar as relações com grupos extremistas e milicianos. Passamos do mundo do crime para o submundo do crime. É a tragédia se repetindo como farsa.
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