Com toda a ambiguidade que imprime às suas manifestações, o
presidente Jair Bolsonaro não conseguiu disfarçar, já na segunda-feira, o
desfecho que só viria ontem: o convidado e nomeado estava dispensado da posse.
Na nota com que se despediu do seu terceiro ministro da Educação, Carlos
Alberto Decotelli, depois de uma reunião improvável em que teria tido paciência
para ouvir detalhes técnicos da estrutura curricular da pós-graduação, os
elogios feitos pelo presidente se destinavam a consolar a si mesmo, por tê-lo
escolhido, e a eximir de culpa os militares, por tê-lo indicado.
Motivação igual teve para dar-lhe a tribuna de 24 horas em
que ainda contaria com audiência para se explicar. O que, convenhamos, foi
atitude mais elegante do que a da Fundação Getúlio Vargas, que o renegou muitas
vezes depois de prestar-lhe homenagens anos a fio pelos cursos que promoveu na
instituição. Constatou-se que a FGV foi mais relapsa que a Abin.
Para ser ministro da Educação não é necessário ter
doutorado. Mas é preciso ter decência. Este caso não deu para desentortar, como
já se fez com tantos outros, inclusive nesta gestão, mas pode ainda inspirar o
pensamento sobre o processo e o método de formação do governo Bolsonaro.
A fábula de como se faz um governo aleatório, sem critério e
sem identidade, encontrou a simbologia máxima. Convite feito e aceito, ganhou a
desculpa da urgência pelo rumo imediato exigido pela área em causa, a começar
pela sua atividade mais elementar, o funcionamento das atividades em sala de
aula. Nenhum filtro, nenhuma informação ou análise mais profunda sobre alguém
que havia ingressado na história do Brasil há apenas cinco dias, levando na
bagagem de chegada uma bomba de detonar a partida.
Saudado como técnico e gestor, Decotelli tinha um currículo
composto por falsos brilhantes que, na insinceridade geral dos dois ambientes,
o acadêmico e o do governo Bolsonaro, abalou as estruturas. Mestrado com tese
de trechos copiados sem a citação do autor; doutorado contestado pela banca de
Rosário; pós-doutorado, conhecido como posdoc no meio científico, inexistente
em universidade alemã. O nomeado retocou a maquiagem, mas não ficou bem para a
posse.
Enfeitar o currículo com estas lantejoulas é um clássico
nacional. O pós- doutorado pode ser só um atraente turismo científico e, em
muitos currículos, não passa disto. Em outros, é uma espécie de emprego
temporário para doutores até aparecer coisa melhor. No conjunto desta obra,
porém, pesou muito. O mestrado e o doutorado têm significados, sobretudo para
quem pretende seguir a carreira acadêmica, mas não pesam para ser gestor
público.
Há outras demonstrações de competência acadêmica além dos
títulos, como há demonstrações de competência específicas na gestão pública ou
privada. Mário Henrique Simonsen possuía de sobra as duas condições. Não tinha
nem mestrado nem doutorado e estava fazendo, às pressas, uma graduação formal
numa escola qualquer do Rio quando já era um economista respeitado e constava
do catálogo de Harvard como professor visitante.
Para o currículo da plataforma Lattes não bastam os créditos
do curso, é preciso ter defendido e aprovado tese para receber o título. Na
vida acadêmica, a maioria já fez a assepsia. Na iniciativa privada e na
administração, os titulares negligenciaram as correções.
Nos governos Collor, Lula, Dilma e Bolsonaro houve
escândalos de currículos falsos ainda na memória de todos. Passaram a borracha
e continuaram nos cargos.
Comparado com Ricardo Vélez, o primeiro, que saiu sem
entrar, e com Abraham Weintraub, o segundo, que fugiu do País, Decotelli não
pode ser culpado pela desdita do governo e mais um atraso no início de um plano
de recuperação do funcionamento do MEC.
Quem seleciona é que não sabe o que quer nem para onde vai.
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