Jair Bolsonaro chegou ao poder como um negacionista da
pobreza. Crítico contumaz de programas de transferência de renda, ele disse no
ano passado que a fome no Brasil era “uma grande mentira” e que o papel do
governo era facilitar a vida “de quem quer produzir”.
Sob risco, o presidente se converteu. Nesta terça (30), o
governo anunciou o pagamento do auxílio emergencial do coronavírus por mais
dois meses. A prorrogação poderia ser um ato burocrático, mas Bolsonaro
organizou uma cerimônia no Planalto e chamou o programa de “o maior projeto
social do mundo”.
O presidente adiou o fim do benefício por uma questão de
sobrevivência. As novas parcelas e o plano de reformulação do Bolsa Família se
tornaram decisivos para a permanência de Bolsonaro no cargo e para sua aposta
na reeleição em 2022.
A pandemia marcou uma mudança na composição da base do
presidente. Em 2019, os mais pobres correspondiam a 32% do grupo que
considerava o governo ótimo ou bom, de acordo com o Datafolha. Desde então, o
presidente manteve a popularidade estável, mas o segmento de baixa renda passou
a representar 52% de seus apoiadores.
A atuação desastrosa de Bolsonaro na pandemia afastou
segmentos mais ricos, mas levou para seu campo eleitores que estão na base da
pirâmide social. O fim do pagamento do auxílio representaria um risco de erosão
num nicho agora majoritário.
O cálculo político é claro. No início da pandemia, o governo
propôs apenas três parcelas de R$ 200 aos mais pobres para amenizar a crise. Só
triplicou o valor após pressão do Congresso. Quando o programa chegava ao fim,
o ministro da Economia afirmou que a prorrogação era arriscada porque “aí
ninguém trabalha”.
Bolsonaro tenta consolidar apoio em novos grupos, mas ainda poderá buscar a retomada de territórios perdidos. “Ele tem chance de recuperar apoio nos segmentos mais abastados se mantiver a postura atual, menos explosiva”, avalia Mauro Paulino, diretor do Datafolha.
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