O ministro da Defesa, Fernando Azevedo, estava ontem em
território Ianomâmi. Foi numa viagem de rotina para acompanhar a operação de
atendimento médico e orientação nas aldeias. Os aviões da FAB já deram o
equivalente a 11 voltas ao mundo, em três meses, só levando e trazendo material
e equipamento médico que antes eram deslocados pela aviação comercial. Sete mil
e quinhentos militares foram contaminados com o vírus, exatamente porque eles
estão presentes em muitas frentes ao mesmo tempo. Há uma sensação nas Forças
Armadas de que seu trabalho no combate ao Covid-19 não aparece em função dos
enormes ruídos causados pela discussão política sobre o risco de um novo golpe.
— Estamos apanhando mais atualmente do que nos últimos 30
anos. Assuntos que já estavam resolvidos voltaram com uma força enorme — disse
um oficial superior.
O relato do que as Forças Armadas estão fazendo neste momento
é interessante porque ilumina exatamente o seu papel no meio de uma pandemia
num país continental, com gigantescos desafios. Sendo, como têm que ser, uma
instituição do Estado, e não braço de um governo, tudo fica mais fácil de ver e
de valorizar. Lá dentro se diz que é nisso que as tropas estão realmente
pensando, no seu papel tradicional. Enquanto isso, manifestantes bolsonaristas
fazem passeatas pedindo intervenção militar, e o próprio presidente fez
constantes ameaças que alimentaram velhas dúvidas e temores. Certos fatos
incendiaram ainda mais o debate, como o dia em que o ministro Azevedo sobrevoou
com o presidente uma dessas manifestações que pediam o fechamento do Supremo.
Na época das Olimpíadas havia uma grande preocupação com o
risco de atentados terroristas. Houve um investimento nas Forças Armadas em
treinamento e qualificação para ações de defesa contra ameaças química, nuclear
e radiológica. Isso ficou como um legado e foi usado agora no combate ao
Covid-19. Militares fizeram mais de duas mil descontaminações de espaços
públicos. E até por ser em áreas de muita população essas ações tiveram mais
visibilidade. Estiveram em locais de mais difícil acesso, ilha de Marajó, por
exemplo, para distribuir cestas básicas. Ao todo, em vários pontos do país, e
até aldeias indígenas, em três meses distribuíram mais de meio milhão de cestas
básicas.
— Tem um programa que nasceu também na esteira dos Jogos
Olímpicos, em que crianças carentes saíam da escola e iam no contraturno para
os quartéis para a prática de esporte. Trinta mil crianças nesse programa. De
uma hora para outra, as escolas fecharam, e eles não iam mais para o reforço
escolar. Ficaram sem duas refeições. O dinheiro foi revertido em kit
alimentação para a família dos jovens — conta um oficial.
Um programa entre CNI, Senai e hospitais, para consertar
respiradores no Brasil inteiro, foi possível porque os aviões da FAB ou
caminhões do Exército ficaram no leva e traz de equipamentos. Foram 1.500
respiradores consertados. Quando os restaurantes à beira das rodovias pararam,
o país poderia ter tido um colapso logístico, porque os caminhoneiros não
teriam onde se alimentar. Os militares fizeram pontos de parada e distribuição
de quentinha para os motoristas.
Médicos militares foram deslocados para alguns hospitais com
falta aguda de pessoal. Saíram, por exemplo, do Sul, que estava pouco afetado,
para regiões de quase colapso como Macapá, São Gabriel da Cachoeira e
Tabatinga.
Porque estiveram em várias frentes de combate o índice de
contaminação de militares foi de 2%, considerado alto. Morreram 20 dos 7.500
contaminados, mas já estão recuperados 80%.
— O militar mesmo está com pouco tempo para discussão
política. Há pontos no país onde só nós conseguimos chegar com rapidez, uma ONG
bem intencionada consegue ajudar, mas as Forças Armadas fazem em grande volume.
Isso sem falar em todo o trabalho de sempre, de patrulhamento, de vigilância de
fronteira — me disse um oficial.
A politização das Forças Armadas foi evitada durante 30 anos. O presidente Jair Bolsonaro, de forma deliberada, fez uma mistura entre seu governo e o poder que elas têm. Se os militares forem viabilizadores de um governo que estimula o conflito, e que está em crise, será, como tenho dito aqui, um risco para o país e para a própria instituição.
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