Em seu terceiro ano de mandato, Jair Bolsonaro pretende
radicalizar o redesenho do Estado de acordo com seu projeto autoritário de
poder. O Ministério da Defesa deverá ter, em 2021, mais verbas do que a Educação,
que encolherá 13,1%. A Saúde terá um Orçamento 4,8% menor do que o previsto
inicialmente para 2020, antes da pandemia. Os dados constam dos documentos
preparatórios que circulam pelos ministérios e embasam o Orçamento para o ano
que vem, que será enviado até o final do mês ao Congresso, e colocam a nu a
falta de estratégia para a solução dos graves problemas que afligem o País.
O caso do Ministério da Educação (MEC), que vem sendo
vilipendiado pela atual gestão e já está no seu quarto titular em um ano e
meio, é exemplar. Pela primeira vez em uma década, o MEC terá menos recursos do
que os militares — a diferença é de R$ 8,1 bilhões. Seu orçamento cairá de R$
103,1 bilhões para R$ 102,9 bilhões. A pasta decidiu abrir mão de suas próprias
verbas para direcionar recursos às escolas cívico-militares. Estas receberão R$
108 milhões, dobrando o montante de 2020. O número de unidades deve passar de
54 para 108. Os recursos foram desviados para o Ministério da Defesa, que
ficará encarregado do pagamento de militares inativos que atuarão nas
instituições. Investir em escolas administradas por fardados é uma bandeira
eleitoral do presidente, uma escolha ideológica que ignora mais uma vez o bom
senso e as recomendações técnicas. Já tirar dinheiro da Educação não representa
apenas um prejuízo para os atuais alunos. A melhor política de inclusão social,
sustentam os especialistas, é justamente apostar no ensino, permitindo
condições de igualdade para as futuras gerações.
Censo ameaçado
O reforço para a Defesa em momento de pandemia, recessão
histórica e alto desemprego também diz muito sobre o governo. Para 2021, estão
previstos para a pasta da Defesa R$ 108 bilhões. Esse número foi inflado nos
últimos dias, por orientação de Bolsonaro, em R$ 2,27 bilhões. Para isso, valeu
até propor o cancelamento do Censo Demográfico 2020, programado para o próximo
ano. A Defesa é uma área privilegiada pelo mandatário desde a posse, como se
viu pelos privilégios que ele garantiu aos militares durante a Reforma da
Previdência. Os números oficiais do Orçamento ainda precisam ser enviados ao
Congresso, mas os dados de investimentos realizados até o momento são claros ao
indicar o privilégio para os gastos militares, aponta o economista Gil Castello
Branco, da Associação Contas Abertas. Este ano, até julho, os investimentos
para a Defesa somaram R$ 2,9 bilhões, superando Saúde (R$ 2,5 bilhões) e
Educação (R$ 1,8 bilhão). Perdem apenas para Infraestrutura (R$ 3,8 bilhões) e
Desenvolvimento Regional (R$ 3,6 bilhões). No ano passado, a Defesa investiu R$
8,3 bilhões, valor superior aos investimentos somados da Saúde (R$ 3,8 bilhões)
e da Educação (R$ 3,7 bilhões). Foi o primeiro ano, desde 2003, em que os
militares lideraram os investimentos no governo, posto que era tradicionalmente
ocupado pela Infraestrutura. Não é só. No apagar das luzes de 2019, foram
destinados R$ 7,6 bilhões para a capitalização da Empresa Gerencial de Projetos
Navais (Emgepron), visando a construção de navios para a Marinha. A operação
driblou as restrições orçamentárias, pois a capitalização de estatais não é
sujeita aos limites da regra do teto de gastos. Para os investimentos
militares, Bolsonaro ainda criou uma estatal, contrariando a pregação por
privatizações. Nenhuma estatal federal de controle direto da União foi
privatizada por Bolsonaro. Já a NAV Brasil, na direção oposta, foi a primeira
empresa pública a ser criada desde 2013, para o controle de tráfego aéreo.
Vinculada ao Ministério da Defesa, herdará 2 mil funcionários da inchada
Infraero — que continua firme e forte, apesar da privatização de 22 aeroportos
do País.
A Saúde recebeu este ano recursos extraordinários, no
chamado Orçamento de Guerra, por conta da pandemia. Em 2021, ainda precisará
enfrentar as consequências da Covid-19, que estressou a rede pública. Além de
lidar com os enfermos do coronavírus e retomar os tratamentos eletivos adiados,
o SUS precisará absorver os usuários de planos privados dos que perderam o
emprego. Mesmo assim, o governo planeja gastar com o setor menos do que havia
sido previsto para 2020, antes da pandemia. A verba do Ministério da Saúde vai
cair de RS 134,2 bilhões para R$ 127,7 bilhões.
O governo tem se mantido em silêncio sobre o risco para as
áreas sociais e a ênfase para a Defesa. O vice, Hamilton Mourão, disse que é
preciso fazer uma “análise qualitativa” e que 80% do orçamento da pasta é
comprometido pelos gastos de pessoal. É uma meia verdade. Pastas como Educação
também incorporam salários. Tudo é uma questão de prioridades, que já ficaram
claras no discurso e na prática de Bolsonaro. O Ministério da Economia afirma
que há pouca margem de manobra, já que as despesas obrigatórias comprometem
cada vez mais o Orçamento. É fato, mas as medidas que poderiam racionalizar os
gastos não andam por causa do próprio governo. Uma política eficaz seria enviar
a Reforma Administrativa, que conteria a expansão do gasto com servidores, mas
ela segue interditada pelo presidente, pois mexe com os interesses
corporativos, que ele defende. Beneficiar o funcionalismo público é importante
para pavimentar a campanha da reeleição, avalia. Se andar, será por iniciativa
do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Ele afirma que a iniciativa mais urgente
é a regulamentação de gatilhos a serem acionados em caso de pressão ao teto de
gastos.
Pró-Brasil é lançado
O ministro Paulo Guedes está perdido em meio às disputas de
bastidores. Seu plano de enxugamento do Estado virou letra morta. A prioridade
é arrumar verbas para o Renda Brasil, programa que absorverá o Bolsa Família,
considerado fundamental para a reeleição de Bolsonaro. Na próxima terça-feira,
25, deve ser lançado o Pró-Brasil, uma nova versão do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), que vai empacotar diversas obras e projetos do governo com
investimentos públicos. Além de obras de infraestrutura, pode incluir o Renda
Brasil. Para viabilizar o pacote, um programa que representa marketing político
ao invés de um projeto estratégico para o País, Guedes prioriza a recriação da
CPMF, o nefasto imposto em cascata que prejudica a produtividade da economia. A
falta de articulação política do governo, que persiste mesmo com a cooptação do
Centrão, levou a uma derrota no Senado que pode custar R$ 132 bilhões — a
derrubada do veto que permite o reajuste de servidores envolvidos no combate à
pandemia.
O que está cada vez mais em risco é o equilíbrio fiscal.
Dentro do governo, a ala liderada por Rogério Marinho (Desenvolvimento Social)
e o general Braga Netto (Casa Civil), artífices do Pró-Brasil, pressiona pelo
aumento de gastos, querendo furar a regra do teto. Guedes é contra, e resta
saber quanto tempo conseguirá resistir. Com mais de um ano e meio de gestão, o
governo ainda não sabe como manter o compromisso com o teto de gastos e a Lei
de Responsabilidade Fiscal. A disparada dos juros de longo prazo e a alta do
dólar já refletem o temor dos investidores com uma possível guinada na
economia. Na segunda-feira, 17, Guedes voltou a reafirmar que fica no cargo e
que há confiança mútua entre ele e o presidente. Porém, mais um integrante de
sua equipe saiu, aumentando a “debandada”: o subsecretário de Política
Econômica, Vladimir Teles. “A ideia de furar o teto existe, o pessoal debate,
qual o problema?”, disse o presidente. “Há uma briga muito grande entre os
ministros por mais verbas”, afirmou. Enquanto os ministros se digladiam, o
presidente destina verbas aos militares e avança em sua agenda, que dá mais
valor a quartéis do que a escolas e hospitais. Os militares, como não cansa de
expressar, são fundamentais para o seu projeto de poder.
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