Fábio Tofic Simantob
Advogado criminalista e mestre em direito penal pela USP, é
conselheiro e ex-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)
Alberto Zacharias Toron
Advogado criminalista e doutor em direito pela USP, é
professor titular de processo penal da Faap e ex-presidente do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais
Causou grande impacto a fala
de Augusto Aras em webinar do grupo Prerrogativas, mencionando que a
força-tarefa de Curitiba possui um banco de dados sigiloso com informações de
38 mil pessoas.
Há alguns anos, o STF colocou uma pá de cal na questão dos
poderes investigatórios do Ministério Público, decidindo que o MP pode
investigar. O problema é que esse poder nunca recebeu regulamentação legal à
altura de sua envergadura.
Para investigar um fato, o delegado de polícia, por exemplo,
precisa instaurar oficialmente um inquérito e prestar contas ao Ministério
Público ou ao juiz a cada 30 dias.
Essa regra aparentemente anódina contém um princípio
democrático importantíssimo. Permite que haja um controle do poder de polícia,
braço poderosíssimo do Estado.
Trata-se de portentosa arma contra a prevaricação do agente
público, uma proteção do cidadão contra os caprichos do agente estatal.
A grande questão é: e no caso de investigações que correm
dentro do MP, quem as fiscaliza?
Questionado sobre isso na webinar, o procurador-geral aludiu
a uma série de resoluções do CNMP (Conselho
Nacional do Ministério Público) que, de acordo com ele, dão o devido
tratamento à questão.
De fato, as resoluções existem e buscam solucionar o
impasse, mas ainda regulam a questão de forma bastante insatisfatória, não
prevendo formas rigorosas e periódicas de controle dos atos de investigação por
um órgão superior e muito menos pelo Judiciário.
A obrigação do delegado de prestar contas ao MP e ao juiz
não existe no caso dos procedimentos que tramitam direto no MP. Como o MP não
presta contas periódicas de investigações a ninguém, um caso pode ter
diligências das mais estapafúrdias ou permanecer parado anos a fio sem uma
única diligência realizada. É um poder de vida e de morte sobre a investigação,
incompatível com os princípios democráticos.
O mais grave, porém, é quando alguns acabam adquirindo o
costume, ou fetiche, de ficar colecionando peças de um quebra-cabeça
imaginário, na esperança de um dia conseguirem aproveitá-las contra alguém.
É no subterrâneo dessa espera, muitas vezes impaciente, que
correm as águas profundas da atividade investigatória ilegal, sem qualquer
escrutínio ou fiscalização de um órgão superior ou do Judiciário.
É nesse emaranhado de peças esparsas sem proveito imediato
que se escondem as investigações secretas, pelas quais uma pessoa pode ser
investigada por tempo indeterminado, sem ter meios de obter informações —e, por
vezes, sem que haja sequer registro do procedimento no sistema eletrônico do
MP, em clara violação das normas constitucionais e da súmula vinculante nº 14 do
Supremo, que garante a todo investigado o acesso aos autos do procedimento
investigatório.
É, ainda, sob o manto desse excedente investigatório que
informações são trocadas de forma não oficial, ou em off, e descartadas ou
usadas a bel-prazer de quem as manipula —práticas, ao que parece, adotadas pela
força-tarefa de Curitiba, conforme revelado pelo site The Intercept, no dia 10
de agosto de 2020, em reportagem intitulada "Foi
passado em off".
Os 38 mil nomes mencionados por Aras, portanto, são apenas
uma face do problema, a ponta do iceberg. É preciso regulamentar os
procedimentos criminais do Ministério Público de modo a dar maior transparência
a essa poderosíssima atividade do Estado, compatibilizando-os com as regras do
Estado democrático de Direito.
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