Quando o relatório do Coaf revelando as transações suspeitas
de Fabricio Queiroz veio à luz, em 6 de dezembro de 2018, descobriu-se que o
ex-assessor de Flávio Bolsonaro, filho 01 do então presidente eleito, havia
depositado cheques no valor de 24 mil reais na conta da primeira-dama, Michelle
Bolsonaro. No dia seguinte ao escândalo, Bolsonaro justificou em entrevista ao
Antagonista que o dinheiro era parte de um acerto de contas: Queiroz estaria
pagando um empréstimo de 40 mil reais que ele havia feito ao amigo de longa
data e faz-tudo da família. "Emprestei dinheiro para ele (Queiroz) em
outras oportunidades. Nessa última agora, ele estava com um problema financeiro
e uma dívida que ele tinha comigo se acumulou. Não foram 24 mil, foram 40 mil.
Se o Coaf quiser retroagir um pouquinho mais, vai chegar nos 40 mil",
afirmou.
Desde a publicação do documento, o Ministério Público do Rio
avançou na investigação sobre as movimentações "atípicas" de Fabrício
Queiroz que somavam 1,2 milhão reais. De lá para cá, Flávio Bolsonaro passou a
ser investigado por peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro por
supostamente liderar o esquema conhecido como "rachid" operado em seu
gabinete na Assembleia Legislativa do Rio, a Alerj. Segundo o MP, Queiroz seria
o operador financeiro do esquema, a quem cabia recolher parte dos salários dos
funcionários para depois, entre outas coisas, bancar despesas pessoais do
primogênito de Jair Bolsonaro.
Ninguém tinha conseguido, no entanto, esmiuçar as
movimentações suspeitas nas contas do amigo pessoal do presidente da República.
Até agora. Crusoé teve acesso com exclusividade à quebra do sigilo bancário de
Queiroz autorizada pela Justiça a pedido dos investigadores. Os extratos não só
detalham todas as transações financeiras do ex-assessor entre os anos de 2007 e
2018 e mostram o inttenso fluxo de valores creditados em conta como
contrarianma primeira e única versão apresentada por Bolsonaro na tentativa de
justificar os pagamentos a Michelle Bolsonaro. Os cheques que caíram na conta
da primeira-dama não somam nem 24 mil nem 40 mil reais, como havia afirmado o
então presidente eleito em dezembro de 2018, mas 72 mil reais.
Os extratos mostram que a conta de Michelle começou a ser
abastecida por Queiroz em 2011. Pelo menos 21 cheques foram depositados entre
2011 e 2018. Michelle recebeu do ex-assessor de Flávio Bolsonaro três cheques
de 3 mil reais em 2011, outros seis do mesmo valor em 2012 e mais três de 3 mil
reais em 2013. Em 2016, as movimentações bancárias registram nove depósitos,
totalizando 36 mil reais. Os cheques foram compensados em 25 de abril, 19 e 23
de maio, 20 de junho, 13 de julho, 22 de setembro (dois), 14 de novembro e 22
de dezembro.
Em todos os extratos bancários de Queiroz, porém, não há um
depósito sequer de Jair Bolsonaro na conta do ex-assessor — nem os 40 mil reais
que seriam o montante do tal empréstimo nem qualquer outra quantia. Desse modo,
tudo leva a crer que, se houve de fato um empréstimo, ele foi feito em espécie,
o que o livrou de ser registrado pelo sistema financeiro nacional. Para além
dos repasses efetuados para Michelle Bolsonaro, o escrutínio nos extratos de
Queiroz reforça que os valores creditados nas contas do ex-assessor de Flávio
Bolsonaro estão muito acima de seus rendimentos como policial militar e
servidor da Alerj.
Entre 2007 e 2018, período da quebra de sigilo autorizada
pela Justiça do Rio de Janeiro a pedido do MP, estão registrados como créditos
na conta de Queiroz 6,2 milhões de reais, Do total, 1,6 milhão aparecem
identificados como recebimentos de salários da PM e da Alerj. Outros 2 milhões
de reais estão atrelados a 483 depósitos de servidores do gabinete de Flávio
Bolsonaro — o valor pode ser ainda maior, já que foram contabilizadas apenas as
transações nas quais Queiroz foi nominalmente identificado. Há ainda 900 mil
reais em créditos em dinheir em espécie sem identificação do depositante.
Em 2011, ano em que Queiroz depositou o primeiro cheque para
Michelle, por exemplo, o ex-assessor recebeu em suas contas 400 mil reais — uma
média mensal de 33 mil reais. Desse montante, 158 mil reais foram depositados
em dinheiro vivo, No ano seguinte, 2012, quando fez seis depósitos na conta da
hoje primeira-dama, a renda de Queiroz foi turbinada ainda mais: o policial
militar recebeu 597 mil reais, ou seja, uma média de 49,7 mil reais mensais. Em
2013, o ex-assessor do 01 amealhou 474 mil reals. Em 2014, mals 473 mil. Em
2015, 542 mil reais. Por fim, no ano de 2016, foram creditados a ele 696 mil
reais, uma média mensal de 58 mil reais — 223 mil em espécie.
Como agora se sabe, a partir das investigações tocadas pelo
Ministério Público do Rio, pelas contas de Queiroz também passaram recursos
transferidos por familiares de Adriano da Nóbrega, o miliciano condecorado por
Flávio Bolsonaro que foi morto em fevereiro deste ano. Os extratos registram
repasses feitos a partir de contas da mãe, da ex-mulher e de restaurantes ligados
a Nóbrega.
É por todas essas transações tão vultosas quanto suspeitas
que os investigadores classificam Fabrício Queiroz como o arrecadador de
valores desviados da Alerj e intermediador de remessas de recursos ilícitos
para os demais integrantes da suposta organização, entre eles o filho 01 do
presidente, Os novos cheques para Michelle Bolsonaro acrescentam mais um
elemento ao enredo de potencial ainda altamente explosivo, o que talvez ajude a
explicar a súbita mudança de comportamento do presidente a partir do instante
em que foi anunciada a prisão do mais notório de seus amigos.
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