A cantora, deputada e pastora evangélica Flordelis não podia
se separar do filho adotivo com quem havia se casado —ex-marido de uma de suas
filhas também adotadas— porque um divórcio escandalizaria
a Deus: então, obviamente, decidiu matá-lo. Com a ajuda dos filhos, claro.
Essa lógica tão cristalina quanto um bloco de granito é um resumo perfeito do
bolsonarismo.
Nas eleições de 2018, Bolsonaro se apresentou como
anti-establishment e antipolítico, embora tivesse passado as últimas três
décadas bundando na Câmara dos Deputados. Durante os anos em que bundou em
Brasília, Bolsonaro mantinha um apartamento funcional, pago por nós, embora
contasse com um imóvel próprio. Quando questionado, disse que o apartamento
funcional, pago por nós, era “pra
comer gente”. E quem mama nas tetas do Estado, segundo ele e seu asseclas,
é o coreógrafo, o ator de teatro, o aluno cotista, o pesquisador da Capes, do
CNPq que contam, ou, em grande parte, contavam, com incentivos estatais.
Este velho político que usava o nosso dinheiro “pra comer
gente”, que está no terceiro casamento, que elogia publicamente o músico
espancador da namorada, coloca-se como “defensor da família”. É uma defesa da
família bem parecida com a da deputada Flordelis. Um duplo twist carpado na lógica
já torta do Maluf, “estupra, mas não mata”: é o “mata, mas não desquita”.
Os cruzados da família não vão atrás do tio
pedófilo que violentava a criança dos seis aos dez anos, vão atrás é
da menina no hospital para fazer um aborto legal depois de ser engravidada pelo
estuprador. A criança teve que entrar no hospital dentro do porta-malas de um
carro, enquanto os defensores da família gritavam “assassina!”. A neonazista
Sara Winter (leiam o perfil na última Piauí) divulgou
os dados da criança em suas redes, de forma a garantir que ela siga sendo
para sempre abusada, agora não mais pelo tio, mas por todos os cidadãos e
cidadãs “de bem”.
“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos." Quando eu
ouvi pela primeira vez o slogan inconstitucional com que Bolsonaro batizou
nosso Estado laico, lamentei profundamente. Hoje em dia, diante da demolição
moral, institucional, ambiental, enfim, da implosão civilizacional a que
estamos assistindo, lamento profundamente é que não tenhamos no lugar deste
herege um presidente “profundamente evangélico”.
Ao contrário do presidente, que não leu sequer a bula da
cloroquina, li a Bíblia de cabo a rabo. Não encontrei nos Evangelhos um
versículo sequer que justifique ter como braço direito da família um miliciano
assassino suspeito de organizar rachadinhas no gabinete do filho e repassar
dinheiro para a mulher do pai. Tampouco encontrei nos Evangelhos —o Velho
Testamento é outra coisa, ali El Shadai bota pra quebrar— nada que embase o
extermínio de 30 mil ímpios. Porrada na boca. Rato na vagina. (Uma tara do
ídolo do Bolsonaro, Brilhante Ustra). Jesus fez-se conhecido principalmente por
curar doentes. Não por dar as costas a leprosos dizendo que era “só uma
micosezinha” e deixar morrer 120 mil em poucos meses.
Jesus sacrificou-se para salvar a humanidade. Bolsonaro
sacrifica a humanidade para salvar o próprio rabo. Não é um bundão, é um serial
killer. Quando a crise econômica bater feio, ele dirá como Pôncio Pilatos,
algoz de Cristo: “Lavo minhas mãos”. As mãos de Pilatos estão sujas até hoje, 2020
anos depois.
Nazistas, assassinos, abusadores de crianças, corruptos,
delinquentes e milicianos estão no poder, hoje, no Brasil, em nome da família,
de Deus e da liberdade. Amém.
Antonio Prata
Escritor e roteirista, autor de “Nu, de Botas”.
Adams Carvalho
Ilustração de Adams Carvalho para coluna de Antonio Prata
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