“Esta eleição é sobre preservar a democracia”, disse o
senador americano Bernie Sanders na convenção do Partido Democrata. A mensagem
foi passada até nos cenários escolhidos. O ex-presidente Barack Obama falou
diretamente do icônico “National Constitution Certer”, museu da Constituição,
na Filadélfia. O candidato Joe Biden confirmou no seu discurso que essa é a
luta principal. No Brasil, o Supremo deu o mesmo recado. Proibiu o Ministério
da Justiça de fazer dossiê contra funcionários que não apoiam o governo. “É
incompatível com a democracia”, segundo o ministro Luiz Roberto Barroso. A
Corte condenou a espionagem de adversários feita pelo Ministério da Justiça, confirmando,
por nove a um, o voto claro da ministra Cármen Lúcia.
A democracia, que parecia garantida, passou a ser ameaçada
por governantes sem valores democráticos e com desprezo pelas instituições. O
importante no dossiê contra policiais antifascistas e pessoas notáveis, como os
professores Paulo Sérgio Pinheiro e Luiz Eduardo Soares, é que ele não pode ser
feito. É inaceitável. Simples assim. Alguns ministros ressaltaram que o
relatório tinha péssima qualidade como documento de inteligência. Isso é assunto
lateral. O relevante é a atitude do Ministério da Justiça, de usar a máquina
para investigar servidores que não concordam com o governo.
O ministro André Mendonça é o maior derrotado, mesmo tendo
sido poupado, e até defendido pelo presidente Dias Toffoli. O país viu seu
contorcionismo. A ministra relatora quis saber: existe ou não existe o dossiê?
Ele tentou escorregar, mas a realidade se impôs. O pior momento do ministro da
Justiça foi alegar questão de segurança nacional para negar ao STF o acesso ao
documento. Felizmente, a ministra Cármen não se deixou enganar pela mentira
embrulhada na bandeira. Exigiu conhecer o teor e fundamentou seu voto: “O
Estado não pode ser infrator, menos ainda em afronta a direitos fundamentais
que é sua função garantir e proteger.”
A existência dessa atitude infratora do governo, de montar
um dossiê identificando servidores contrários ao fascismo, foi revelada pelo
jornalista Rubens Valente no UOL. O país não caiu no erro de deixar passar para
ver como é que fica. A Rede Sustentabilidade foi ao Supremo. O STF estabeleceu
que o Ministério da Justiça não faça mais esse tipo de investigação, porque
isso ameaça a democracia e é “desvio de finalidade”.
Na discussão, duas coisas ficaram claras: mesmo que seja
nomeado ministro do Supremo, André Mendonça não merece a cadeira. Ele se
comportou mal com suas versões conflitantes, mas o pior foi não entender a
função constitucional do Supremo. Outro ponto a ficar explícito foi a
constrangedora submissão do procurador-geral da República ao executivo.
Colocando-se, na prática, como assistente do advogado-geral da União, Augusto
Aras traiu o papel que a Constituição entregou ao chefe do Ministério Público.
Nos Estados Unidos, a convenção democrata, toda virtual,
trouxe um recado real. Obama disse que Donald Trump representa a maior ameaça
às instituições americanas. “É isso que está em jogo neste momento, a nossa
democracia.” E por fim avisou sobre a dureza da luta dos próximos 70 dias:
“Essa administração já mostrou que destroçará a nossa democracia, se é isso que
precisa para ganhar.”
O candidato democrata Joe Biden confirmou a mensagem de toda
a convenção. Falou dos tempos sombrios que Trump representa. “O caráter
nacional está em disputa nas urnas. A decência, a ciência, a democracia.” Falou
em “salvar nossa democracia”. Em tempos de descrença, alguém pode perguntar
para que ela serve afinal? Para ter líderes que tragam uma palavra de conforto
quando o país atravessa período de sofrimento. “O melhor caminho para superar a
dor, a perda e a desolação é encontrar um propósito”, disse o candidato
democrata, que em sua vida pessoal viveu o que diz. E o propósito final tem que
ser sempre ampliar a inclusão de todos os grupos da sociedade. A convenção
democrata trouxe de volta à cena a nova demografia da América, colorida,
diversa, multicultural, ecumênica, que está explícita na exuberante diversidade
de Kamala Harris, negra, filha de imigrantes — mãe indiana e pai jamaicano — e
que estará na chapa que enfrentará Donald Trump.
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