Jair Bolsonaro tem sido acusado de trair seus eleitores em
função de escolhas inconsistentes na forma de lidar com a condição de governo
dividido, situação na qual o partido do presidente não controla a maioria de
cadeiras em uma ou nas duas casas legislativas.
O livro The Politics of Divided Government, editado por Gary
Cox e Samuel Kernell, é um dos poucos que estudam como governos
presidencialistas minoritários se comportam e delineiam os vários caminhos que
o presidente pode seguir para lidar com esse desconforto. Os autores
identificam três estratégias para presidentes que se deparam com governos
divididos.
A primeira é a do “go it alone”; ou seja, quando o Executivo
decide não barganhar com os legisladores. Em vez disso, decide usar os recursos
constitucionais e legais disponíveis de forma unilateral. A vantagem dessa
estratégia é colocar o Legislativo numa posição reativa à iniciativa do
presidente como se fosse um fait accompli, o que diminuiria as chances de
reversão pelo Legislativo. O perigo associado à estratégia do “eu sozinho” são
potenciais impasses e crises políticas com disputas abertas, podendo levar até
a conflitos institucionais.
A segunda opção é a do “go public”, quando o presidente faz
compromissos diretamente com os eleitores, sem a mediação das instituições e
partidos. Nesse caso, o público age como intermediário entre o Executivo e o
Legislativo. O objetivo é aumentar os custos de defecção dos legisladores e,
assim, fortalecer a sua posição nas negociações com o Legislativo. Essa
estratégia, entretanto, produz resultados positivos para o Executivo apenas no
curto prazo, pois gera animosidades crescentes entre legisladores que se sentem
pressionados e expostos à opinião pública. A qualquer sinal de vulnerabilidade
do presidente, os legisladores podem querer dar o troco, não apenas com a
imposição de derrotas no Congresso, mas colocando em risco o próprio mandato
presidencial.
A terceira estratégia de governos minoritários é a do
“bargain within the beltway”; ou seja, acordos em que os principais ganhadores
seriam os próprios políticos em oposição aos interesses e prioridades da
população em geral. Neste caso, tanto Executivo como Legislativo sabem que
precisam negociar e chegar a um acordo. Contudo, nenhum dos dois quer dar o primeiro
passo e parecer politicamente fraco.
Portanto, os acordos são adiados até o último minuto,
táticas de blefe são adotadas, negociações sobre certas políticas são
priorizadas em relação a outras, e assim por diante até uma posição de
compromisso ser tenuamente encontrada na última hora e não necessariamente de
forma republicana. O risco desta estratégia é que nenhuma aliança substancial e
estável tende a ser alcançada. Mesmo quando maiorias são acertadas, tendem a
ser cíclicas e episódicas não sendo garantia sólida para o governo governar e
de se proteger contra potenciais ameaças de impeachment.
Nesses 20 meses de governo, é possível identificar que
Bolsonaro adotou, de forma quase que sequencial, essas três estratégias.
Inicialmente, preferiu governar sozinho, renegando os partidos e acusando-os de
fazer parte da política tradicional. Quase como um desdobramento complementar
da primeira estratégia, também se utilizou fartamente de conexões diretas com o
público para pressionar e desgastar o Legislativo e suas lideranças.
Ultimamente, no entanto, vem construindo alianças políticas com os partidos do
chamado Centrão por meio de barganhas cujos objetivos e termos de troca, até o
momento, não são claros nem seguros.
Diante das sucessivas derrotas e desgastes com o Legislativo
durante esse período, fica claro que nenhuma dessas três estratégias de
governar na condição de minoria está sendo bem-sucedida. Condições
institucionais e políticas para a formação de uma coalizão majoritária e
estável não faltam no presidencialismo multipartidário brasileiro. Além do
mais, a preferência mediana do atual Congresso é muito próxima daquela do
presidente. Por que então “trair” seus eleitores apenas pela metade?
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