domingo, 30 de agosto de 2020

VENHA ENCHER MINHA BOCA DE PORRADA, PRESIDENTE !

Carlos José Marques, ISTOÉ
Porque eu também quero saber: por que a sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz? Não entendeu? Quer que eu pergunte de novo? Então aí vai: presidente, por que a sua esposa, Michelle recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz? Me diga mais: e seu filho, dono de laranjal, operador de rachadinhas, o pimpolho Flávio Bolsonaro, tenta esconder e manobrar para não ser preso por qual razão? Aqueles 1.512 depósitos feitos em dinheiro vivo na lojinha de chocolate do filhote senador e aplicados na boca do caixa para esconder as manobras do fisco em pequenas quantias a cada lançamento se deu a troco de que? Desembolso aos milhões, capaz de pagar apartamento, salinhas comerciais, despesas familiares, escolas das filhas, médicos, hospitais. Tem até cheque de milícia armada e criminosa, presidente! Algumas de suas ex-mulheres também receberam. O outro rebento, Carluxo, idem. A família inteira metida na boquinha do dinheirinho fácil e marginal, tomado em esqueminhas chulos de servidores públicos que lhe prestavam vassalagem. Diáconos de um clã político baixo clero cujas revelações vêm se multiplicando aos montes e o senhor não quer responder? Vai ter de dar muita porrada na boca de muita gente para saciar tantas perguntas que surgem dos abusos em série. Até seu advogado, Frederick Wassef, e o amigão dileto de décadas de pescaria Queiroz dividem a cena das tramoias, milimetricamente armadas fora da ordem legal. Presidente, não adianta ser tão arrogante – autoritário como sua natureza sempre demonstrou. Isso não lhe ajudará a esconder a incongruência de atos desabonadores. Entenda que o papel público que lhe foi outorgado não é para déspotas. Não nos tempos de hoje, nem em uma democracia. A braveza e valentia caricatas, de arrabalde, deveriam ficar circunscritas àquelas encenações que antes o senhor fazia para recrutas da caserna. A vida civil pede compostura.
Ninguém aqui lhe deve subserviência cega. Não estamos na era feudal do soberano e seus servos. Aqui fora tocamos, da melhor maneira possível, uma democracia que pelo voto direto e da maioria lhe aboletou como inquilino na cadeira de comando. Mas alto lá com os seus vitupérios! Dê porrada na boca de um de nós e vai para a cadeia. É crime, previsto em lei. O senhor sabe! Já a pergunta que um profissional de imprensa lhe fez, essa veio por dever de ofício. Entenda a diferença de uma vez por todas. O senhor, como funcionário público, no topo da burocracia estatal, deveria dar o exemplo. Se alguém dissesse que iria encher a sua boca de porrada, qual exatamente a reação que a ameaça lhe provocaria? Fico curioso, embora imagine o tipo de disposição de uma figura desbocada como a sua encarando tão escrachada violência pública. O senhor desrespeitou um cidadão, um profissional, um brasileiro que, assim como a sua figura, não merece o desacato. Menosprezo partindo especialmente de quem se acha estar por cima é o ardil de tiranos. Enorme distância guarda esse comportamento daquele de um verdadeiro estadista. Exatamente em que momento o senhor perdeu a noção do que vem a ser a zeladoria do bem estar social? Ou será que nunca teve a menor ideia do que se trata isso? Não será enchendo a boca de porrada de ninguém que o senhor irá chegar lá, presidente! Esqueça o irrefreável impulso para o desmando. Não leva a nada. Está fora do tempo e do espaço. Em desuso e em absoluto repúdio mundo afora. Quer ser lembrado por essa mancha na biografia? Quatro anos, quiçá oito, de mandato (e, sou franco, espero que não, tamanho o estrago e negação da realidade que já vêm promovendo em tão pouco tempo) não deveriam valer por uma vida inteira. O poder é passageiro, caro mandatário. Efêmero, diriam os sábios. Mas o comportamento ensandecido de quem prende e arrebenta para satisfazer os desejos absolutistas, não. Esse é lembrado para além morte. Que triste legado ficará. Não diria sequer para os seus filhos, que parecem guiar-se pela mesma cartilha – ao menos aqueles que também alçaram cargos públicos. Brigões todos, senhores de si, destemidos com as armas em punho, acreditam poder tudo. Vã ilusão. Precisam ser informados pela Lei que não conseguem. Ao contrário. Terão de se submeter a ela. E ai dos erros e desvios de cada um deles, pilhados em flagrante por uso indevido de dinheiro público, que já vêm sendo desvendado em seguidas investigações.
Desculpe presidente, não quero de novo despertar o seu ímpeto animalesco para encher minha boca de porrada. Mas são fatos. Fazer o que? Apenas os relato aqui, como muitos já o fizeram. Por isso, digo: não adianta nada querer “encher de porrada” a boca de todo mundo que lhe indaga sobre eventuais falcatruas. É um rebotalho caricato e extemporâneo da ditadura que não existe mais. Prepotência e impropérios não irão lhe livrar da realidade. Ou será que, diante de um juiz, indagado pela mesma questão, o senhor também tomará impulso para encher a boca dele de porrada? Se aceita o conselho: melhor evitar. Não acabaria bem. Aliás, decerto, indo as vias de fato nesse caso, as grades de uma prisão lhe receberiam de novo. Sei que já esteve por lá devido a atos de rebeldia, quando ainda habitava os quartéis. Refresque minha memória: Foi expulso de lá justamente por atitudes como essa, se não me engano. Estou certo, presidente? Está nos anais da história. Ela também mente? Falseia os fatos como é a sua especialidade? Outro dia uma universidade paulista levantou que, nesses quase dois anos de gestão, o senhor chegou a mentir, veicular desinformações nas redes sociais ou distorcer a realidade em um ritmo de ao menos duas vezes ao dia. Que coisa feia, presidente! O senhor acredita mesmo em fake news? Seu filho Carluxo com certeza. Afinal a Polícia Federal o identificou como chefe de um “gabinete do ódio” de produção e disseminação de notícias falsas contra adversários. Como pode uma coisa dessas não é, presidente? O senhor não tem vergonha da baixaria para calar opositores? Talvez não, acredito. Afinal, mácula mais notória e indiscutível o senhor já teve na aqui citada carreira militar de capitão. Em tempo, até o título de capitão reformado o senhor só recebeu justamente porque teve de sair de lá escorraçado por mau comportamento. Confere, ex-tenente? Julgado duas vezes por conduta irregular e atos que ofendem a honra pessoal e o decoro da classe, foi considerado culpado unanimimente por três julgadores, todos oficiais de alta patente. Deve ter sido constrangedor, tenho certeza. Logo os colegas de farda lhe condenando. E os tempos de prisão disciplinar devem ter sido duros. Por aqui, na vida civil, também não é bom abusar da destemperança. Na cadeira do Planalto, o senhor deve satisfações e não tem o direito de distribuir porradas a torto e a direita. Modere o tom mandatário. Ponha-se no seu lugar. Onde foi parar a exigida liturgia do cargo? O senhor não a conhece? Não é para inglês ver. Em tempo, recorrendo a outro dos epítetos que resolveu lançar contra aqueles que lhe questionam sobre o óbvio, quero reiterar aqui que “bundão” é o senhor que não explica, se acovarda diante de questões éticas, amarela e sai esbravejando. Profissionais de comunicação não são “bundões” por que não atendem aos seus anseios. “Bundão” é o senhor que incita a claque de fanáticos a darem porrada em jornalistas. “Bundão” é o senhor, que agride sistematicamente a legislação em vigor, com crimes de responsabilidade em profusão. Já passou do tempo e da hora da cassação do seu mandato. Na letra da lei, suas imprecações, em atos e palavras, deveriam ter lhe levado ao impedimento. Que as autoridades dos demais poderes acordem o quanto antes e tomem medidas contra a valentia descabida desse “bundão”. Que foi? Não gostou? Vai encher a minha boca de porrada? Então deixe eu lhe dar o motivo maior para tamanha ignorância: presidente, por que a sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?
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