Em seu livro “As
Cariocas” (1967), Sérgio
Porto levou a desinibida ao Grajaú. Uma escolha que se mostraria
explosiva. Loura e bela, Marlene era uma moça moderna, que antes vivia no Leme.
“Talvez moderna demais para o Grajaú”, escreve o cronista. Num domingo, ela
decidiu lavar o fusca azul que ganhara no concurso Garota da Praia. Vestiu uma
blusa, enrolando as pontas e dando um nó debaixo dos seios, e se meteu num
shortinho. Dona Esperança, com o corpanzil que mal dava para debruçar no
parapeito, gritou da janela: “Lugar de vagabunda mostrar o umbigo é no
teatro!”.
O Grajaú, garantem os moradores, é o lugar mais conservador
do Rio. Para a fama, concorre o fato de ser um reduto de militares e um bairro
inteiramente planejado (um dos poucos da cidade), no sopé do Maciço da Tijuca,
com muitas árvores e casas que resistem ao tempo.
Numa delas, de dois andares, morava o governador
Wilson Witzel. Após a eleição, ele disse que jamais se mudaria. Mas não
cumpriu a promessa. Instalou-se, com toda a pompa, no Palácio Laranjeiras —de
onde poderá sair pela porta dos fundos.
Sob suspeita de desviar mais de R$ 1 bilhão da saúde, Witzel
enfrenta dois processos: o do impeachment e
o da negação. “Conseguimos manter em alto nível as políticas públicas de
combate à pandemia”, ele tem a coragem de dizer, após ser acusado de destinar
dinheiro para construir hospitais de campanha fantasmas.
Se voltar às origens no Grajaú, Witzel terá algumas opções
para passar o tempo. De manhã, exibindo a faixa que mandou confeccionar e que
antes dele nenhum governador usara, sairá para comprar pão e leite na padaria
Joia, a melhor da região. Com uma espingarda de espoleta, mirará na cabecinha
de quem passar na rua e... fogo! Em dias de jogos do Flamengo, pulará no meio
da praça Edmundo Rego, sem que ninguém possa imaginar que ele no fundo não
estará comemorando um gol, e sim uma morte.
Alvaro Costa e Silva
Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de
"Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".
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