Calote, pedalada,
burla, drible e contabilidade criativa foram algumas das palavras mais ouvidas,
no mercado, quando se anunciou a fórmula escolhida para financiar a Renda
Cidadã, a nova bandeira eleitoral do presidente Jair Bolsonaro. A imprensa
também registrou avaliações como “calote temporário” e “medida estarrecedora”.
Conhecida a proposta, o dólar chegou a R$ 5,67, um novo recorde, revertido
quando o Banco Central entrou no jogo vendendo moeda americana. A Bolsa deixou
a coreografia internacional e encerrou o dia com um tombo de 2,41%.
A proposta
assustadora foi anunciada depois de uma reunião do presidente, no Palácio da
Alvorada, com parlamentares aliados e ministros, incluído o da Economia, Paulo
Guedes. O apoio de Guedes ao esquema demonstra a função real, no atual governo,
de um Ministério para assuntos econômicos: cumprir ordens, sem levar em conta
prioridade, conveniência econômica e financeira e até critérios de
responsabilidade fiscal.
A fórmula para
acomodar o novo programa social, substituto do Bolsa Família, é uma combinação
perversa de dois truques. Em primeiro lugar, pagamentos previstos de
precatórios podem ser limitados, isto é, reduzidos. Em segundo, uma parcela do
Fundeb poderá ser convertida em Renda Cidadã. Este componente, se aceito, pode
proporcionar uma vantagem especial, por ser isento do teto de gastos. O teto
limita o aumento da despesa à inflação tomada como baliza da lei orçamentária.
Calote ou ameaça de
calote, a ideia de reduzir o pagamento de precatórios foi criticada pelo ministro
Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, por políticos, por investidores
do mercado e por especialistas em contas públicas. Precatórios correspondem a
dívidas do governo reconhecidas pela Justiça. São obrigações financeiras
vinculadas a ordens judiciais. Limitar seu pagamento corresponde, em primeiro
lugar, a uma escolha de quem terá prioridade no ressarcimento. Isso envolve
questões de decência. Envolve também problemas de legalidade.
A questão da
moralidade é evidente, mas adiar o pagamento, nesse caso, pode ser também um
crime de responsabilidade, análogo às pedaladas do segundo mandato da
presidente Dilma Rousseff, como observou o economista Carlos Kawall, diretor da
Asa Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional. No caso da presidente petista,
a violação da lei motivou um processo político encerrado com impeachment, isto
é, com perda do cargo.
Igualmente
indefensável é o uso de recursos do Fundeb para financiar a Renda Cidadã. A
tentativa de usar esse fundo para burlar o teto de gastos já havia sido
rejeitada pelo Congresso. Além da manobra para romper o limite, haveria um
claro desvio de finalidade de uma importante fonte de financiamento
educacional. Mas a fórmula envolve outras importantes questões legais.
Para criar um gasto
permanente, o poder público deve encontrar uma fonte permanente de receita ou
eliminar, também de forma duradoura, alguma despesa de montante compatível com
a nova necessidade. Nenhuma dessas condições se verifica. Adiar o pagamento de
precatórios apenas empurra a despesa com a barriga, sem eliminá-la, como
observa o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe
Salto. É fácil perceber esse fato mesmo sem o auxílio de um especialista em
contas públicas.
Meter a mão no
Fundeb também pode proporcionar apenas uma solução temporária, fora do padrão
da Lei de Responsabilidade Fiscal. O arranjo defendido pelo presidente, por
seus aliados e pelo ministro da Economia é apenas uma coleção de remendos de
baixíssima qualidade, digna de malandragens das velhas chanchadas.
Chanchadas, no entanto, podiam ser divertidas, eram inofensivas e envolviam competência técnica e artística. Nenhuma dessas qualidades aparece na fórmula para financiar a bandeira eleitoral do presidente Bolsonaro. “O Brasil é um país sério”, disse o ministro Guedes, tentando defender o indefensável. Seria bom se o Executivo também mostrasse alguma seriedade ao cuidar da economia e do dinheiro público.
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