Ninguém pode acusar
Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, de descumprir a missão recebida do
presidente Jair Bolsonaro: solapar o sistema
de proteção de recursos naturais no país. Para repetir a frase cínica
usada pelo titular da pasta em abril, trata-se de “passar
a boiada”, como o golpe aplicado na reunião de segunda-feira (28) do
Conama, conselho nacional da área.
Caíram de uma só
vez três resoluções do órgão. Na manobra mais grave, revogou-se a proteção
garantida a manguezais
e restingas. Outra desfez a obrigação de manter vegetação no entorno de
reservatórios de água. A terceira suspendeu a necessidade de licenciamento
ambiental para projetos de irrigação.
Antes que a reunião
terminasse, Salles também fez autorizar a queima de certos poluentes, como
alguns defensivos agrícolas, em fornos para produção de cimento —resíduos
problemáticos, assim, chegarão ao ar que respiramos.
Manguezais
constituem um sistema de grande produtividade e relevância ecológica. A
vegetação adaptada às marés e à salinidade não só protege a linha de costa da
erosão como serve de refúgio para reprodução de espécies marinhas.
Facilitar sua
ocupação favorece a carcinicultura, indústria da criação de camarões que gera
raros empregos e muita poluição. Não se entende por que o Conama põe o
interesse de poucos à frente do geral e do sustento de milhares de caiçaras que
exploram os mangues, nem por que entrega frágeis áreas de restinga à
especulação imobiliária.
Salles aplainou o
caminho da boiada ao transformar o Conama num órgão sob
controle do ministério. Antes de sua chegada ao governo federal, o
conselho contava com maior diversidade: organizações da sociedade civil tinham
23 assentos (hoje são 4), e governos estaduais, um representante cada (o total
foi reduzido de 27 para 5).
O ministro quer
eliminar qualquer contribuição de ONGs e da academia na definição de políticas
ambientais. Desregulamentar, quando há excesso de exigências, e rever normas
problemáticas ou mal definidas não é pecado, mas o aperfeiçoamento tem de se
fundamentar em discussão transparente e calcada em estudos técnicos.
O atropelo
capitaneado por Salles a mando de Bolsonaro pode revelar-se uma vitória de
Pirro, pois redundará em prolongada judicialização. Seu método implica aumentar
a insegurança jurídica, o que aventureiros tomarão como carta branca para
aumentar a devastação.
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