Não é de hoje, aqui e alhures, que mandatários do Executivo
tentam fazer do Judiciário uma espécie de puxadinho do seu poder, buscando
influenciar nas decisões, acolher relações poucos republicanas — Jair
Bolsonaro, por exemplo, quer colocar lá alguém com quem “possa tomar uma
cerveja” — e, em certas circunstâncias, tratando de ignorar o seu papel
institucional, via descaso mesmo às deliberações da Corte. Nesse contexto, em
paralelo, o STF brasileiro foi tomando gosto pelas articulações midiáticas,
opiniões pessoais fora dos autos e uma certa pitada de guerra partidária entre
os ministros membros. A politização do Judiciário virou praga.
De pretenso poder moderador, ele se converteu, em muitos
momentos, no fórum filial de decisões combinadas com o Planalto e o Congresso.
Há uma diferença abissal entre o objetivo, legítimo, da harmonização de poderes
e o acerto de práticas que, no fim, servem a interesses específicos. O caso da
transferência do Coaf da Receita Federal para o BC, por exemplo, tirando do
órgão o papel contributivo às investigações de corrupção, foi medida alinhavada
diretamente entre o Messias capitão e o então titular na presidência do STF,
ministro Dias Toffoli. Tanto o chefe da Nação demonstrava, ali, intenções
claras de proteger o filhote Flávio Bolsonaro, e até de evitar maiores
apurações sobre denuncias do laranjal que começava a brotar, como o magistrado
também parecia acalentar o desejo de tirar os holofotes sobre os rendimentos
advocatícios e as transferências de sua mulher para ele.
Normalmente, as três esferas da República se acumpliciam,
jogando por terra o fundamento constitucional de independência que cada um
deveria nutrir. Talvez, na origem dessa deturpação de comportamento e da
acochambrada nas relações esteja o próprio instrumento que permite ao
mandatário, no exercício do cargo, escolher quem e como indicar a cada vaga
aberta naquela Suprema Corte. Imagine a força da missão: é ele, somente ele,
quem no recôndito do lar, na solidão inclemente das madrugadas insones, decide
os benfejados pela sua magnânima concessão. Quem não se condói de tamanha
responsabilidade? Não vem a ser algo singular nos modelos em vigor mundo afora,
é verdade.
Também nos EUA, onde a morte da icônica juíza, Ruth
Ginsburg, abriu espaço a uma sucessora, o presidente Trump apontou a preferida,
nos moldes que entendeu ser uma candidata ideal: alguém alinhada aos conceitos
conservadores e, por vezes, ultrapassados que acalenta. Acredita o líder
americano ser esse o caminho mais fácil para reverter precedentes históricos
sobre temas como aborto e posse de armas, tão caros a ele. Nada diferente do
que se faz por aqui. Na gangorra de preferências do presidente em mandato, o
STF assume feições a sua imagem e semelhança, caso ocorram substituições
providenciais.
Trump está tendo a oportunidade de costurar uma maioria
ampla na Corte, na qual, nos próximos anos, serão decididos muitos casos que
moldarão a economia e, quiçá, talvez até julgue um recurso dele, Trump, contra
o resultado das eleições em andamento. Casuísmo? Pode ser, mas dentro das
regras. E é sobre elas (as regras) que os questionamentos deveriam se
concentrar. A onda sempre oportunista que concede aos mandatários o poder
discricionário de estabelecer a composição desses colegiados — onde,
eventualmente, assuntos de sua competência e participação podem ser analisados
e revistos — deixa um sabor de trapaça na arbitragem.
O Executivo não deveria ter tal direito. A ameaça de
cooptação de ministros, via a escolha direta, para que atendam as suas
vontades, é clara. No mesmo sentido, também não é aceitável que a força de sua
caneta, em ato soberano e isolado, estabeleça quem aboletar na cadeira de
procurador-geral da República que, por vezes se verificou, acabou atuando como
mero advogado particular, interferindo e judicializando questiúnculas
familiares fora de sua alçada.
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