Além de notável saber jurídico, a Constituição exige dos
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) reputação ilibada. Trata-se de uma
condição exigente. Não basta, por exemplo, que a pessoa não tenha sido
condenada criminalmente. É preciso que a reputação dos cidadãos escolhidos para
compor a mais alta Corte do País seja límpida, intacta, sem mancha, sem sombra,
sem nenhuma suspeita.
Longe de ser expressão de algum tosco moralismo, o requisito
relativo à reputação dos indicados para a Suprema Corte representa indispensável
proteção do próprio STF. Não basta que as decisões sejam tecnicamente
perfeitas. Para que o Supremo seja capaz de realizar sua missão institucional,
não deve pairar dúvida a respeito da lisura de seus integrantes. A ilibada
reputação possibilita, assim, que as decisões do STF alcancem plena
efetividade, também em relação à pacificação social. A Corte e seus ministros
necessitam de autoridade.
Para que tudo isso não seja mera formalidade, a Constituição
estabelece a sabatina no Senado. “Os ministros do STF serão nomeados pelo
presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do
Senado Federal”, diz a Constituição.
Se sempre é necessário recordar a responsabilidade dos
senadores na aferição das qualidades de quem é indicado para integrar o STF, o
tema adquire relevância especial quando, por exemplo, surgem – como ocorreu
recentemente – inconsistências no currículo da pessoa indicada pelo presidente
da República. Por certo, a sabatina não é uma prova de títulos. Mas é, assim prevê
a Constituição, uma avaliação sobre a reputação da pessoa indicada.
O desembargador Kassio Marques deverá ser sabatinado pela
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado no dia 21 de outubro. Nessa
sabatina, seria muito oportuno esclarecer, por exemplo, a razão pela qual a
dissertação de mestrado que Kassio Marques apresentou à Universidade Autônoma
de Lisboa contenha trechos idênticos – até os erros de digitação são os mesmos
– a três artigos acadêmicos do advogado Saul Tourinho Leal. Segundo levantamento
feito pelo Estado, ao menos 13% do que o desembargador do TRF-1
entregou é igual ao que Tourinho escreveu anos antes.
Após as semelhanças entre os textos virem a público, Kassio
Marques e Saul Tourinho Leal disseram que trabalharam juntos em algumas ideias
e que a dissertação de Marques e os artigos de Tourinho chegam a conclusões
diferentes. Na sabatina na CCJ, será possível questionar a razão pela qual essa
realidade autoral não foi devidamente expressa nos textos.
Cientes do seu dever constitucional de aferir a reputação e
o saber jurídico do indicado ao Supremo pelo presidente da República, os
senadores também não devem deixar de inquirir o desembargador Kassio Marques
sobre a menção em seu currículo à pós-graduação em “Contratación Pública” pela
Universidad de La Coruña.
Nesse caso, segundo a instituição espanhola informou
ao Estado, não é que Marques não tenha feito a pós-graduação. O
curso simplesmente não existe, constando apenas que o desembargador cursou
atividade de cinco dias na instituição. Depois dessa revelação, Kassio Marques
negou que tenha tentado melhorar o currículo ou que tenha dado uma
interpretação mais ampla às atividades acadêmicas das quais participou. Segundo
o indicado pelo presidente Bolsonaro para o Supremo, houve apenas um “erro de
tradução” e que em nenhum momento ele quis se referir à pós-graduação.
No currículo do desembargador, consta ainda “pós-doutorado
em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Messina, Itália”.
Confrontado sobre essa titulação, Kassio Marques declarou ter participado de
cinco dias de aula, em formato “intensivo”. Na sabatina, seria oportuno saber
se houve eventualmente algum erro de tradução a respeito desses termos
acadêmicos.
Esclarecimentos podem e devem ser dados por Kassio Marques,
mas o fato é que o currículo do desembargador não está contribuindo para sua
reputação. A régua da Constituição é alta.
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