O jornalista Lucas Berlanza não quer ver Sara
Winter nem pintada. Ele, que hoje preside uma das entidades mais tradicionais
da direita brasileira, o Instituto Liberal, já defendeu a extremista dos
militantes conservadores que a criticavam por seu passado de feminista radical.
Chegou a escrever um artigo em que elogiava a “corajosa transformação” de Sara
Winter, que renunciou ao seu passado esquerdista e virou uma defensora de Jair
Bolsonaro e Olavo de Carvalho. “Ao longo de seis anos de militância, participei
de vários congressos, com gente que se sentava na mesma mesa e que hoje não se
olha na cara”, diz ele. “Hoje, confesso que não tenho vontade de participar de
qualquer coisa ao lado de Sara Winter. Ela começou a defender uma espécie de
milícia louca e chegou ao ponto de divulgar dados privados de uma menina de 10
anos, vítima de estupro, para que houvesse pressão sobre ela para não abortar.
É radical como antes, só que com sinal trocado.”
Aos 28 anos,
Berlanza tem orgulho de ter realizado a primeira conferência do Instituto
Liberal reunindo algumas estrelas da nova direita que entraram para a política
na onda conservadora que tomou impulso a partir de 2013, mas não esconde que
sua decepção com a ascensão de Bolsonaro vai muito além de Sara Winter.
“Ponha-se no nosso lugar”, diz, começando a explicar por que liberais como ele
embarcaram na candidatura e no governo de Bolsonaro. “Estávamos vendo liberais
de prestígio entrando no governo. Gente que frequentava nossos encontros e
participava de nossos debates, como Salim Mattar, Adolfo Sachsida e Geanluca
Lorenzon. Isso ocorreu também com conservadores como Bruno Garschagen e o
professor Ricardo Vélez, que é um nome histórico do Instituto Liberal.”
Para Berlanza, o
apoio dos liberais à eleição de um deputado que nunca apresentou uma única
proposta liberal atualiza a estratégia da velha União Democrática Nacional
(UDN), sigla que defendia o liberalismo clássico em meados do século passado.
Nas três primeiras eleições presidenciais que disputou em 1945, 1950 e 1955, a
UDN concorreu com candidato próprio e perdeu todas. Em 1960, escaldada com os
fracassos sucessivos, decidiu apoiar Jânio Quadros, que não tinha qualquer
identidade com o partido, mas se comprometera a implantar algumas das propostas
liberais e anticomunistas defendidas pela sigla. Jânio Quadros, o decano dos
populistas brasileiros, ganhou a eleição, mas seu governo foi um desastre.
Depois de sete meses, renunciou ao cargo e deixou João Goulart em seu lugar, o
herdeiro do getulismo que a UDN abominava. Para completar sua desgraça, a UDN
apoiou o golpe miliar de 1964, e a ditadura que se seguiu extinguiu a legenda.
Berlanza, que é um
admirador do principal líder da UDN, Carlos Lacerda, já classificou a adesão da
nova direita a Bolsonaro como “estratégia Jânio Quadros”. Diz ele: “São dois
fenômenos que correram em paralelo, não têm nada a ver um com o outro, mas se
encontraram em algum momento.” Para Berlanza, assim como os udenistas do
passado apoiaram Jânio Quadros, os integrantes da nova direita de hoje, ao
aderirem a Bolsonaro, comportam-se como soldados liberais escondidos dentro de
um cavalo de troia populista. E o paralelo histórico prossegue: não deu certo
em 1960 e não está dando certo agora. As tribos da direita estão estremecidas e
tão divididas que passaram a merecer o mesmo plural usado para designar “as
esquerdas” – hoje, são “as direitas”.
Fundado em 1983, o
Instituto Liberal foi financiado, durante muito tempo, por Donald Stewart Jr.,
um filho de canadenses que espalhou filiais da entidade pelo Brasil. Outro
patrocinador tradicional era o empresário Norberto Odebrecht, fundador da
construtora que virou a estrela-guia dos escândalos da Operação Lava Jato. No
ano seguinte à fundação, o Instituto Liberal deu origem ao Instituto de Estudos
Empresariais (IEE), em Porto Alegre, liderado pelos irmãos William e Winston
Ling, este último hoje notório nas direitas por ter apresentado Paulo Guedes a
Bolsonaro. Enquanto os institutos liberais tinham um viés mais acadêmico, o IEE
pretendia formar uma nova geração de líderes empresariais. No início, era
patrocinado por três grandes grupos gaúchos – Gerdau, Iochpe e a Olvebra, atual
Évora, de propriedade dos irmãos Ling. As entidades, tanto as voltadas aos
estudos acadêmicos quanto aos empresariais, prosperaram nos anos 1990,
enfrentaram uma seca de patrocinadores na virada do século e voltaram a se
aprumar na década de 2010.
O Instituto Liberal
de Berlanza, no entanto, ainda não conseguiu se reerguer. Nos anos 1980, sua
sede ocupava um suntuoso casarão em Botafogo, no Rio de Janeiro. Depois,
mudou-se para um lugar mais modesto, no bairro do Humaitá. Em 2015, Berlanza e
seus jovens companheiros estavam se espremendo numa salinha na Cinelândia,
tentando organizar um arquivo de milhares de livros e documentos. Hoje, o
Instituto Liberal nem tem sede própria. As reuniões e os cursos ocorrem em
endereços compartilhados, chamados coworking. O Instituto tem um
site e promove cursos virtuais, mas, embora pequeno, não perdeu seu prestígio.
Em breve, Berlanza vai publicar um artigo sobre liberais e conservadores
brasileiros numa revista acadêmica norte-americana.
Hoje, Berlanza
observa com preocupação a divisão das direitas sob o governo Bolsonaro. “Muitos
ainda apoiam o governo, mas vejo também muito descontentamento com os sinais
que o governo vem dando”, diz ele, ao enumerar os pontos frágeis. Cita a
aproximação com o Centrão, a bancada do fisiologismo no Congresso Nacional, e a
postura do governo durante a pandemia do novo coronavírus, que ajudou a
produzir uma tragédia nacional que beira os 150 mil mortos. A ascensão dos
militares dentro do governo é outro ponto negativo. “Os militares são o
bolsonarismo raiz, mas têm uma agenda mais corporativista, que é o oposto da
agenda liberal”, diz ele. Mas a “estratégia Jânio Quadros”, na verdade, começou
a exibir suas primeiras fraturas ainda antes da eleição presidencial.
Na sua página digital, o Livres se define
como um “movimento político suprapartidário em defesa do liberalismo”. Um
gráfico colorido explica o que isso significa. No desenho, à esquerda, aparece
uma esfera azul, que representa “responsabilidade fiscal e liberdade na
economia”. À direita, está uma esfera vermelha, com uma legenda que diz
“sensibilidade social e liberdade nos costumes”. Na intersecção entre ambas, em
lilás – a cor estampada nas camisetas do movimento – lê-se seu lema: “Liberdade
por inteiro.”
O Livres surgiu em
2016 como uma tendência do hoje famoso PSL. Até então, o PSL era tudo o que um
partido não deve ser: não tinha nenhuma ideia, mas tinha um dono, Luciano
Bivar, então suplente de deputado federal. Bivar era pouco conhecido por sua
carreira política, mas muito conhecido como cartola do Sport Club do Recife.
Seu filho, Sergio Bivar, queria que o PSL virasse um partido de verdade e
pretendia transformá-lo numa legenda liberal com o nome de Livres. Em 2017, aos
39 anos, com óculos e cabelo à Elvis Costello, Bivar filho arregaçou as mangas
para fazer o trabalho de modernização.
Uma de suas
primeiras providências foi convidar o cientista político gaúcho Fábio
Ostermann, que, então com 33 anos, se projetava como uma liderança no universo
da direita liberal. Os dois aproximaram-se da ala de jovens liberais do PSDB,
conhecidos como “cabeças pretas”, que vinham perdendo espaço dentro do
tucanato. Entre os intelectuais que se aproximaram do Livres, a estrela mais
reluzente era a economista Elena Landau, designer das privatizações do governo
Fernando Henrique Cardoso e uma liberal “por inteiro”. Bivar pai, no comando do
partido, aprovava o movimento. Em um evento, recebeu a jovem guarda liberal,
como o deputado federal Daniel Coelho, um cabeça preta do PSDB, e o estudante
paulista Kim Kataguiri, então com 22 anos, que ganhara fama nas manifestações
pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. Disse-lhes que o Livres era o
futuro do PSL.
Até que, em
dezembro de 2017, o velho Bivar recebeu um convite de Jair Bolsonaro para
almoçar – e aceitou. Na época, Bolsonaro já era um pouco mais do que apenas o
deputado folclórico que subia à tribuna da Câmara para fazer discursos
raivosos, elogiar a ditadura e defender vantagens para a corporação militar,
que o elegia mandato após mandato. Em 2014, tivera uma votação consagradora na
reeleição para deputado. Com 460 mil votos, fora o mais votado do Rio de
Janeiro. Mas, naquele mês de dezembro, ele patinava nas pesquisas presidenciais
e não tinha nem partido para se lançar candidato. Brigara com caciques do PSC e
buscara em vão abrigo no PEN, rebatizado de Patriota. Era um candidato em busca
de uma sigla. Bivar tinha uma. E os dois iam almoçar.
“Luciano Bivar nos
garantiu que era apenas um encontro de cortesia”, diz Ostermann, relembrando o
episódio. Quando Bolsonaro saiu do encontro e vazou à imprensa que poderia
entrar no PSL, Ostermann, que acreditara nas palavras do velho Bivar, escreveu
em sua página no Facebook: “Bolsonaro se mostra nessa história um belo
vigarista, cujos métodos se assemelham cada vez mais aos daqueles que ele diz
combater. Utilizou-se de uma reunião concedida cordialmente pelo nosso
presidente para criar um factoide (que estaria vindo para o PSL) e se alavancar
nas suas barganhas obscuras com as mais diversas legendas.” Não era factoide,
nem barganha. No raiar do ano eleitoral de 2018, Bolsonaro assinou com o PSL. O
resto é história: o “belo vigarista” virou presidente, o velho Bivar elegeu-se
deputado federal, seu filho abandonou a política e o Livres rompeu todos os laços
com o PSL.
Com isso, o Livres
transformou-se num movimento que abriga filiados de diversos partidos. Criou a
“bancada da liberdade”, que reúne parlamentares dos três níveis que comungam
das mesmas ideias. Atualmente, a bancada tem 24 membros, entre deputados
federais e estaduais, e vereadores, filiados a dez legendas diferentes. Um
deles é o próprio Ostermann, que ganhou um mandato de deputado estadual no Rio
Grande do Sul pelo Partido Novo. Elena Landau tornou-se presidente de um
conselho acadêmico que assessora a bancada e reúne liberais da cepa de Pérsio
Arida, um dos artífices do Plano Real, e Ricardo Paes de Barros, ex-integrante
de governos tucanos e petistas e um dos criadores do Programa Bolsa Família.
“Liberalismo antes de tudo é tolerância. Defender tortura não é liberal, eu
diria que não é nem humano”, diz Elena Landau.
Na direita
democrática da Europa, o livro da moda é The Life of an Idea (A
vida de uma ideia), do britânico Edmund Fawcett. Em suas páginas, o credo
liberal é definido como a ausência de um modelo predeterminado de sociedade e a
convicção de que o embate livre de ideias, em clima de tolerância, pode levar
melhorias aos países. Quem adere à direita democrática, nos termos definidos
por Fawcett, claramente não pode apoiar um presidente que elogia um torturador
como Carlos Brilhante Ustra, o Doutor Tibiriçá dos porões da ditadura. Mas há
nuances entre as direitas. Mesmo entre os liberais, existem alas que apoiam o
governo Bolsonaro com entusiasmo, outras que o defendem com constrangimento e
uma terceira que o repudia com crescente desenvoltura.
Kim Kataguiri, um dos fundadores do Movimento
Brasil Livre (MBL), já estava eleito como deputado federal quando recebeu um
telefonema do recém-reeleito Jerônimo Goergen, coordenador da Frente Parlamentar
da Agropecuária. Queria convidá-lo para participar de um encontro com Jair
Bolsonaro, que acabara de se qualificar para o segundo turno contra o petista
Fernando Haddad. Kataguiri aceitou. No encontro, realizado na casa de Bolsonaro
na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, estavam jovens ascendentes da nova
direita, como os deputados federais Vinicius Poit (SP) e Marcel van Hattem
(RS), ambos eleitos pelo Partido Novo. Também participou o deputado estadual
Arthur do Val, de São Paulo, outro integrante do MBL e conhecido pelo canal no
YouTube onde se apresenta como Mamãe Falei.
Kataguiri lembra
que Bolsonaro chegou fazendo piada. “Não vai ser uma faquinha de 15 cm que vai
me matar”, disse, referindo-se ao atentado que sofrera um mês antes. Mamãe
Falei retrucou: “Quinze? Então aumentou? Ontem o senhor disse que eram 12.”
Passado o aquecimento das piadas, Bolsonaro começou a falar com os
recém-eleitos em tom sério. “O que me impressionou nele foi a humildade”,
rememora Kataguiri. Bolsonaro admitiu que não era o mais preparado para assumir
a Presidência da República, mas era a única alternativa ao PT. Por isso, pedia
o apoio de todos. Disse que não daria palpite na economia. “Essa parte eu deixo
a cargo do Paulo Guedes e de vocês.” E deixou claro que era a favor de
privatizações e da reforma da Previdência.
Apesar de Bolsonaro
ter feito promessas que contrariavam suas posições corporativistas e
intervencionistas adotadas ao longo de três décadas como deputado, Kataguiri e
Mamãe Falei acreditaram no que ouviram – e gostaram. O MBL tinha reservas em
relação aos bolsonaristas desde a votação do impeachment de Dilma, em abril de
2016. Na ocasião, haviam sido duramente criticados nas redes sociais porque um
líder do movimento, Fernando Holiday, divulgou um vídeo em que, entre críticas
a outros deputados, repudiava a menção que Bolsonaro fizera a Brilhante Ustra
quando votou pelo impeachment. No entanto, mandaram às favas os escrúpulos do
passado e, dias depois da reunião na casa de Bolsonaro, Kataguiri e Mamãe Falei
já estavam participando de uma turnê de apoio ao candidato pelos estados do
Nordeste, um ato de campanha que batizaram de “Jornada Patriótica”.
Já no início dos
trabalhos no Congresso, o pessoal do MBL começou a desconfiar que Bolsonaro não
se empenhava pela reforma da Previdência. Em vez disso, operava para proteger
os militares, sua base de apoio desde sempre. Às divergências no plenário
seguiram-se as pendengas nas redes sociais. Bolsonaristas espalhavam memes
contra os desafetos e chamavam os deputados críticos de “comunistas”, mesmo os
eleitos pela direita, como Kataguiri. A coisa desandou quando bolsonaristas
convocaram uma manifestação contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal
para 26 de maio de 2019. O MBL não aderiu, foi acusado de traidor e deu-se o
rompimento. Hoje, é oposição ao governo. Já fez pedido de impeachment contra o
presidente, a quem o movimento acusa, entre outras coisas, de interferência no
caso das “rachadinhas” do senador Flávio Bolsonaro.
Em setembro do ano passado, o Instituto de
Formação de Líderes (IFL), sediado em Belo Horizonte, fazia os arremates finais
para a realização do Fórum Liberdade e Democracia, evento anual que promove há
uma década. Havia uma expectativa generalizada porque a décima edição do evento
seria a primeira sob um governo de direita, com um liberal notório no comando
do Ministério da Economia. O clima de uma celebração entre iguais, todos
liberais de direita rezando pela mesma cartilha, logo se mostrou ilusório. Na abertura,
o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, do Partido Novo, exaltou o primeiro
ano do governo Bolsonaro e, a certa altura, demonstrou dúvidas sobre alguns
conceitos básicos.
“Eu sou nascido em
1964”, começou o governador. “Exatamente no ano da revolução ou do golpe
militar, depende de quem quer dar o nome. De 1964 a 1985 nós vivemos um regime
militar – alguns chamam de ditadura, de repressão – e de 1985 até o ano passado
nós vivemos uma democracia. E eu posso dizer por mim mesmo: foi uma democracia
irresponsável!” A plateia reagiu como se estivesse ouvindo uma obviedade, até
que o professor Eduardo Wolf, estudioso do liberalismo e conservadorismo,
começou a falar. E disparou:
“No Brasil temos
uma tradição autoritária, que é absolutamente inseparável daquilo que se
traduziu, nos últimos anos, em termos de conservadorismo ou de liberalismo.
Minutos atrás estava no palco ninguém menos que o governador do estado de Minas
Gerais, com dúvidas, com hesitações, sobre se deveria se referir à ditadura
militar como uma ditadura. Isso é produto de uma mentalidade reacionária e
autoritária que é a matriz do pensamento brasileiro.” Na plateia, surgiram
vaias e alguns aplausos envergonhados.
Wolf continuou: “Um
regime fecha o Congresso, mata, prende, tortura. Como alguém pode ter dúvidas
se é uma ditadura ou não é? Se o governador de Minas Gerais faltou à aula de
formação política do Partido Novo, ainda está em tempo de voltar e entender que
isso é uma ditadura. É impossível um líder do Partido Conservador britânico ter
essa hesitação.” Dessa vez, houve mais vaias e menos aplausos envergonhados.
Chegou a vez do
economista Helio Beltrão, presidente de outra associação da direita, o
Instituto Mises. Fez um discurso otimista sobre o governo. “O avanço é muito
grande em relação ao que tinha aí. Temos lá o Paulo Guedes, com sua equipe
sensacional, que está fazendo coisas magníficas.” Contemporizou: “O governo tem
coisas boas, tem coisas ruins, tem o gabinete do ódio, que é preocupante. Vamos
ver como é que isso evolui. Vamos ficar de olho quando sair da linha em algum
aspecto. Mas, por enquanto, está muito melhor do que eu esperava comparando com
aquela desgraça que a gente teve nos últimos quinze anos.” A plateia explodiu
em ovação. Beltrão só não foi mais aplaudido que Paulo Guedes, que fez um
encerramento apoteótico do evento.
Wolf e Beltrão se
conhecem de anos frequentando seminários organizados pelos institutos
empresariais. A divergência entre ambos resume exemplarmente a cisão entre os
liberais. “Existem os que consideram que liberalismo é apenas a adesão a uma
agenda econômica. Por isso, eles se entusiasmaram com a chegada de um liberal
como Paulo Guedes ao poder, a ponto de fazer vista grossa para outras coisas”,
diz Wolf. Sua visão sobre as “outras coisas” fica clara no nome do projeto que
coordena hoje no Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Pontifícia
Universidade Católica (PUC), em São Paulo. Chama-se “Bolsonarismo, o novo
fascismo brasileiro”.
Beltrão é um dos
mais ativos militantes do liberalismo: promove cursos, dirige o Mises, dá
entrevistas, escreve colunas em jornais. “Mal dá tempo de almoçar”, disse,
durante uma entrevista à piauí por Zoom, enquanto fazia de um
pacote de batatas fritas sua refeição do dia. Beltrão define sua posição em
relação ao governo Bolsonaro como a defesa de um “enclave” – a área econômica
–, e não do governo como um todo. Sem saber, estava incorporando o exemplo de
Wolf para o liberal que se cega para “outras coisas”. “Bolsonaro não é um
liberal, é um nacionalista”, admite Beltrão. “Mas naquela reunião que vazou,
ele fez uma defesa da liberdade individual. Se ele trouxe o Guedes, sei que ele
tem um ladinho liberal.”
Para os “liberais por inteiro”, Rodrigo
Constantino, que atualmente preside o conselho do Instituto Liberal, não passa
de um liberal de fachada. Ou, como diria Berlanza, um “liberista”. Constantino
partiu de uma postura cética em relação a Bolsonaro e seu governo para, num
processo um tanto incomum, tornar-se um defensor cada vez mais ferrenho do
presidente. “Acho que é absolutamente legítimo um liberal ter desconforto com o
governo”, diz ele, ressaltando que fala por si mesmo, e não pelo Instituto
Liberal. “A postura do bolsonarismo, dos filhos, é muito de guerra, muito
tribal, ou você está comigo ou está contra mim. É diferente do liberalismo, que
se baseia na tolerância.”
No entanto,
Constantino entende que, no Brasil de hoje, vive-se como numa situação de
guerra: é preciso assumir um lado. “No Brasil sempre houve uma briga entre PT e
PSDB, mas não tinha nada exatamente à direita participando do jogo. Este é o
primeiro governo que ganha com uma pegada liberal na economia e conservadora
nos costumes”, diz ele. Portanto, no seu raciocínio, quem é de direita deve
apoiar o governo, e ponto final. “Houve gente que não era de direita e a
máscara caiu. O MBL, por exemplo, era um grupo mais tucano que qualquer outra
coisa. Passou então a culpar o presidente pelas mortes, fazer passeatas com
cruzes, algo semelhante ao que o PT fazia.”
Para Constantino,
Bolsonaro é como o “herói trágico” descrito pelo historiador Victor Davis
Hanson, um intelectual com prestígio entre os conservadores da academia
norte-americana e estudioso da história militar grega do período clássico.
Em The Case for Trump (A favor de Trump), Hanson diz que o
presidente dos Estados Unidos é um “herói trágico”, do qual os norte-americanos
jamais vão gostar, mas de quem dependem para combater os “excessos” da
esquerda. Bolsonaro, na visão de Constantino, cumpre o mesmo papel: é o sujeito
tosco talhado para “expulsar doutrinador e comunista da sala de aula, fechar a
torneira das ONGs ambientalistas na Amazônia e manter a melhor equipe econômica
que eu já vi”.
O prêmio de melhor tese acadêmica do triênio
2017-19 da Associação Brasileira de Ciência Política foi concedido a Camila
Rocha, uma cientista política que examinou a ascensão da nova direita. Seu
trabalho, que levou o título Menos Marx, Mais Mises: Uma Gênese da Nova
Direita Brasileira, narra a trajetória dos jovens que surgiram no Orkut na
primeira década do século XXI para depois ocupar as ruas, as redes sociais e,
finalmente, os parlamentos. Eram garotos que, em vez dos Beatles e dos Rolling
Stones, amavam economistas liberais, como o austríaco Friedrich von Hayek, e
pensadores conservadores como o britânico Michael Oakeshott. E amavam, claro,
Olavo de Carvalho, o ex-astrólogo que já na época não escondia suas veleidades
de tornar-se uma versão brasileira à direita do marxista italiano Antonio
Gramsci.
Enfrentando um
ambiente hostil nos meios acadêmico e cultural, áreas sob tradicional
influência da esquerda, os jovens começaram discutindo suas leituras pela
internet. “Para mim o fenômeno da nova direita foi antes de tudo um fenômeno
bibliográfico. Queríamos ler livros que nos ajudassem a contrapor a academia,
dominada pela esquerda”, diz Berlanza. No extinto Orkut, “Olavo de Carvalho”
tornou-se uma das comunidades sobre política mais visitadas da plataforma. Do
mundo digital, passaram a prestigiar a criação de editoras, como É Realizações
e Vide Editorial, que publicavam clássicos do pensamento liberal e conservador,
como Roger Scruton, Russell Kirk, Gustavo Corção e Gilberto Freyre, além de
Olavo de Carvalho.
Em paralelo,
surgiram os grupos de militância universitária cujo objetivo era disputar com a
esquerda as eleições para a direção de centros acadêmicos, entre outros. Em
2006, fundou-se o Endireita Brasil, que reunia jovens advogados de direita.
Entre os principais articuladores estavam o historiador Rodrigo Neves e o hoje
ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Em entrevista à cientista política
Camila Rocha, Neves falou sobre os primórdios do Endireita Brasil. “Éramos eu e
o Ricardo Salles, éramos nós, nadando contra a corrente da direita brasileira.
Porque essa nova direita brasileira era hegemonicamente libertária e liberal. O
próprio Ricardo se dizia direita liberal senão ele não conseguia vender o peixe
dele. Mas eu me autoproclamei: ‘Eu sou conserva!’”
Os “conservas”
começaram a sair do armário. O professor de economia política Bernardo Santoro
e o economista Rodrigo Constantino, figuras ligadas ao Instituto Liberal,
proclamaram-se “liberais-conservadores”. Em 2008, Joel Pinheiro da Fonseca,
economista e bacharel em filosofia, passou a editar a revista acadêmica Dicta & Contradicta.
No ano seguinte, o sociólogo Fábio Ostermann fundou o movimento Estudantes pela
Liberdade, inspirado no norte-americano Students for Liberty, que defende o
liberalismo clássico. Praticamente sem patrocínio, o EPL chegou a organizar
mais de seiscentos eventos pelo Brasil, além de criar mais de duzentos grupos
de estudos. A direita estava se articulando e aparecendo, embora desde o início
não fosse um grupo homogêneo.
A vertente mais
radical forjou uma linguagem própria, um pouco por inspiração de Olavo de
Carvalho, adotando o discurso agressivo e cáustico, com uso intensivo de
palavrões e xingamentos. Os grupos mais moderados queriam provocar discussões
sobre liberalismo, conservadorismo e ultraliberalismo. Alguns dos “conservas”,
egressos das tribos forjadas em debates na internet e nas universidades,
filiaram-se ao Partido Social Cristão, o PSC. Para a pesquisadora Camila Rocha,
contaram de seu espanto ao descobrir que correligionários – como Marco
Feliciano e Pastor Everaldo, recentemente preso por suspeitas de envolvimento
em corrupção – não tinham lido os clássicos do conservadorismo.
No período do
governo Lula, as direitas entraram na internet, criaram revistas acadêmicas e
grupos de estudo, e fundaram a militância universitária. Durante o governo
Dilma, elas foram para as ruas. De início, timidamente. Além dos protestos
contra os impostos, as correntes libertárias participaram da Marcha da Maconha.
Em seguida, surgiram, aqui e ali, algumas manifestações contra a corrupção, mas
o assunto, como observa Camila Rocha em sua tese, não preocupava nem 5% dos
brasileiros. Em 2013, num dos protestos, Joel Pinheiro da Fonseca organizou um
grupo que, sob o vão do Museu de Arte de São Paulo, pedia liberdade irrestrita
para os transportes, enquanto o Movimento Passe Livre, detonador daquelas
manifestações, protestava contra o aumento das tarifas. “Antes que Uber e
outros aplicativos se popularizassem, nós defendíamos que qualquer um pudesse
usar seu próprio carro para transportar passageiros e cobrar pelo serviço”,
lembra Fonseca. O fato é que, a bordo das gigantescas manifestações de junho de
2013, as direitas enfim mostraram a sua cara. Ali, ficaram adultas e promoveram
uma virada antes impensável: tomaram as ruas das esquerdas.
Bolsonaro não tinha
nada a ver com isso. Os jovens das direitas – liberais, libertários,
conservadores, radicais ou moderados – eram outro público. “Bolsonaro não era
jovem, e sim um líder corporativo dos militares, há décadas na política, com um
discurso de endurecimento contra o crime organizado”, diz Berlanza, do
Instituto Liberal. Só que Bolsonaro soube capturar os corações de todas as
direitas. Ganhou uma turma ao convocar Paulo Guedes e fazer de conta que era um
liberal, conquistou outra com um discurso de intolerância à corrupção e
encantou um vasto contingente com a mitologia do kit gay e seu combate à
“ideologia de gênero”.
Na sua tese, Camila
Rocha afirma que o kit gay foi o grande ponto de virada na carreira de
Bolsonaro. Em 2011, os conservadores começaram uma campanha contra o Escola sem
Homofobia. Distorcendo o programa petista, cujo objetivo era orientar os
professores a lidarem com a diversidade sexual nas escolas, inventaram que era
um manual para ensinar as crianças heterossexuais a virarem homossexuais.
Bolsonaro, cuja votação até então girava em torno de 100 mil votos, embarcou no
kit gay e quadruplicou seu eleitorado em 2014 ao ganhar o voto dos
conservadores religiosos. Uma pesquisa do sociólogo Pablo Ortellado e do
cientista de dados Marcio Moretto Ribeiro sobre as guerras culturais ajuda a
entender como Bolsonaro uniu as direitas e tornou-se o presidente da República.
A expressão “guerra cultural” se popularizou
nos anos 1990, nos Estados Unidos, a partir de um livro do sociólogo James
Hunter, da Universidade da Virgínia. Ela define as disputas que vão além dos
temas econômicos e de políticas públicas, como feminismo, drogas, armas,
aborto, direitos LGBTQIA+. “São os temas que polarizam a sociedade”, diz Pablo
Ortellado, estudioso do assunto na USP. Para radiografar o eleitorado brasileiro
em relação às guerras culturais, Ortellado e Marcio Moretto mapearam os temas
mais polarizados na imprensa nos últimos vinte anos, fizeram 22 perguntas,
entrevistaram eleitores de todas as faixas na cidade de São Paulo e jogaram
tudo num computador, que tabulou as respostas e encontrou um padrão inesperado.
Havia os
“progressistas”, mais liberais em relação a drogas, aborto e direitos sexuais,
que normalmente votam em candidatos à esquerda. Havia, ainda, os
“punitivistas”, que também são razoavelmente liberais nesses temas, mas
preferem focar sua atenção no combate cerrado à corrupção e, em geral, tendem a
escolher candidatos da direita ou da centro-direita – e uma parte dos
“punitivistas” saiu às ruas nas manifestações de 2013 e votou em Bolsonaro na
eleição de 2018. Os pesquisadores, por fim, encontraram um terceiro grupo, que
batizaram de “conservadores religiosos”. Em relação às outras duas categorias,
os “conservadores religiosos” são mais pobres, menos escolarizados e
racialmente mais diversos.
É nessa turma que
aparece a rejeição à “ideologia de gênero”, que se tornou alvo preferencial do
discurso bolsonarista. Para esse eleitor, o kit gay foi uma revelação. “É um
movimento surgido no interior das paróquias e dos cultos, entre católicos e
evangélicos, e que até recentemente estava fora das ruas e das redes sociais”,
diz Ortellado. Examinando os três estratos do eleitorado e suas posições,
Ortellado concluiu: “A campanha de Bolsonaro se construiu em cima de duas
mobilizações: anticorrupção e anti-ideologia de gênero. Ele unificou as duas
coisas, que tinham origens diferentes, inclusive do ponto de vista social, como
um discurso antielite. De um lado contra as elites políticas, de outro contra
as elites sociais.”
Nesse panorama, no
entanto, existe uma nuance. O grupo dos “progressistas”, quando responde sobre
os temas da guerra cultural, gabarita o questionário, o que sugere que tem alta
convicção sobre suas posições. Entre os “conservadores religiosos”, é diferente.
Apesar da clara rejeição à “ideologia de gênero”, muito presente na pregação de
líderes católicos e evangélicos, nem todos os integrantes desse público
conservador condenam expressamente os gays. “Nós aplicamos os questionários aos
católicos na procissão do Dia de Nossa Senhora Aparecida, e aos evangélicos na
Marcha para Jesus”, diz Ortellado. “A Marcha para Jesus, por exemplo, tem
participação muito grande da própria comunidade gay.”
No fim de setembro, o Partido Novo brigou em
público. A candidatura de Filipe Sabará a prefeito de São Paulo foi rechaçada
por um manifesto interno do partido. Sabará saiu candidato depois de um
processo seletivo que envolveu até uma empresa de consultoria, mas, como
política não é igual à gerência de recursos humanos, deu-se o racha. No
manifesto, montado em forma de PowerPoint, os desafetos do candidato apresentam
dezoito slides sob o seguinte título: Por Que Filipe Sabará Não Pode
Ser Candidato pelo Novo. No dia 23 de setembro, o partido anunciou que seu
Comitê de Ética Partidária estava suspendendo temporariamente a candidatura.
Os motivos não
foram revelados, mas certamente não ajudou a situação de Sabará a brutal
“retificação” que fizera de sua declaração de rendimentos. Na primeira versão,
ele informara que seu patrimônio era de 15 600 reais. Na segunda, mais de 5
milhões. Mas, para além dos problemas éticos, a candidatura já havia exposto um
racha no Novo. Uma semana antes da suspensão da candidatura, Sabará deu uma
entrevista ao canal de vídeo do programa Pânico, da Rádio Jovem
Pan, na qual fez elogios ao ex-prefeito Paulo Maluf, uma lenda da direita
quanto se trata de denúncias de corrupção. Na ocasião, João Amoêdo, que
concorreu à Presidência da República pelo Novo em 2018, escreveu em suas redes
sociais: “A citação de um político corrupto como exemplo de gestão é
inadmissível. O ‘rouba mas faz’ fere frontalmente os valores e princípios do
Novo.”
A maior
divergência, no entanto, era mesmo em relação à postura entusiasmada do
candidato em relação ao governo de Jair Bolsonaro. Para Sabará, o presidente se
saiu muito bem no combate ao coronavírus, melhor que o governador de São Paulo,
João Doria. Por razões eleitorais, ou afinidade ideológica, Sabará não esconde
sua admiração por Bolsonaro. Corteja os eleitores do presidente e se apresenta
como um político “direita raiz”. Ele atribui suas dificuldades dentro do Novo à
perseguição por parte de João Amoêdo, a quem ele acusa, veja só, de integrar a
“ala esquerdista” do partido.
Hoje, a legenda
está dividida em duas facções. Ambas ganharam apelidos pejorativos. De um lado,
está o PSL Personnalité, como é chamado o grupo dos que aderiram a
Bolsonaro ou evitam críticas ao seu governo. De outro, está o Psol Laranja,
como foram batizados os “novistas autênticos”, que se formaram na militância
antipetista nas ruas e querem distância do governo. “O Novo ocupa um lugar
ímpar entre os partidos brasileiros”, diz o urbanista Gabriel Rostey, que se
identifica com a ala do Psol Laranja. “Somos a única sigla que não faz parte da
base do Bolsonaro e, ao mesmo tempo, não se coloca como oposição clara ao
governo. Isso depõe contra nós.”
Rostey, que entrou
no Novo em 2016, acha que a legenda está caminhando para a cisão. Os filiados
do PSL Personnalité “irão embora assim que a Aliança pelo
Brasil sair”, diz ele, referindo-se ao partido que Bolsonaro tenta criar. “Não
será só uma questão de apoiar ou não Bolsonaro. Existe uma ala que quer
preservar os valores e a história do partido e outra que quer crescer a
qualquer custo. Uma das duas terá que sair, pois seus métodos são
incompatíveis. Resta saber qual delas.”
As divergências
internas ficaram mais intensas quando Bolsonaro começou a contrariar as
recomendações da Organização Mundial da Saúde na pandemia. Agravaram-se em
seguida com a divulgação do vídeo da famigerada reunião ministerial de abril.
Alexis Fonteyne, deputado federal pelo Novo em São Paulo, gostou do que viu no
vídeo e chegou a ponto de elogiar o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles,
pela sua notória frase de “passar a boiada”. Fonteyne vibrou nas redes sociais:
“Perfeito!! A burocracia e o excesso de regulamentação é um atraso só, ambiente
perfeito para os mal intensionados (sic). Tem que aproveitar este
momento para fazer um fast track na simplificação.”
No sentido
contrário, o deputado federal Tiago Mitraud, de Minas Gerais, escreveu em seu
Twitter: “Bolsonaro segue sendo uma vergonha como presidente, e o vídeo reforça
o péssimo líder que é.” Em seguida, mencionou o caso em que Bolsonaro clama por
intervenção na Polícia Federal do Rio para proteger sua família: “Pode não ser
a tal bala de prata, mas é no mínimo inocência acreditar na tese de que ele
estava falando de sua segurança pessoal na reunião. E ainda há todos os demais
elementos da investigação.” O vídeo colocou em lados opostos as duas principais
lideranças do Novo: o governador de Minas, Romeu Zema, simpatizante do governo
Bolsonaro, e o ex-presidenciável João Amoêdo, que já defendeu o impeachment do
presidente.
Amoêdo acha que o
Novo cometeu um erro ao dar “apoio crítico” a Bolsonaro. “Nossa prioridade eram
as pautas importantes para o Brasil, como a reforma da Previdência, e víamos
essa possibilidade ao ter no comando da economia um ministro alinhado com o que
a gente pensa, e também um ministro da Justiça comprometido com o combate à
corrupção”, diz. “Logo ficou claro, no entanto, que esse governo não tem
capacidade de gerir o país ou tocar uma agenda liberal. Acho natural que a
gente evolua de uma postura de independência para oposição. Essa falta de
posicionamento é muito ruim.” Ao mudar de lado, Amoêdo já se tornou vítima da
máquina de fake news do bolsonarismo. Foi tachado de comunista
– “laranja por fora, vermelho por dentro” –, acusado de receber dinheiro do
investidor George Soros e de financiar o movimento Sleeping Giants, um grupo de
ativistas progressistas que pressionam empresas a retirar seus anúncios de
sites que disseminam fake news.
Atualmente, Amoêdo
considera que Bolsonaro faz mais mal do que bem às direitas brasileiras. “No
momento em que uma gestão com bandeira liberal e de direita não entrega
resultados, mostra que está mais comprometida com uma tentativa de reeleição do
que em tocar um projeto. Essa gestão pode estar fortalecendo o PT”, diz. O
deputado estadual Fábio Ostermann concorda. “Meu receio, sinceramente, é que
Bolsonaro queime a nossa vez de promover o nosso ideário de forma mais íntegra
e efetiva. Eu tenho esse temor real, da mesma maneira que parte da esquerda
sente que o PT não a representa mais, por causa dos malfeitos. Temo que a
agenda liberal seja comprometida e prejudicada por um fracasso, cada vez mais
provável, do governo Bolsonaro em promover uma agenda reformista.”
Berlanza teme pelo
naufrágio da “estratégia Jânio Quadros”, termo que ele próprio cunhou. “Estou
vendo muita crítica. Na página do Liberalismo Brazuca, estão fazendo deboche e
colocando o Bolsonaro ao lado do Sarney, devido ao apelo que o presidente tem
feito ao controle de preços. Isso nada tem de liberal, e vem desestimulando os
setores que ainda tinham alguma esperança no governo.” Se o ministro Paulo
Guedes sair, “as peças do tabuleiro irão se mexer rapidamente”, diz ele, que
não descarta a possibilidade de que a “estratégia Jânio Quadros” venha a se
repetir, só que pelo avesso: em vez de o presidente renunciar ao cargo, a nova
direita é que renunciará ao presidente.
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