Bolsonaro faz
propaganda de cursinho e juristas veem crime de responsabilidade
O presidente Jair
Bolsonaro fez um vídeo nesta semana em que faz propaganda de uma escola de
concursos que oferece preparatórios para os certames da Polícia Federal e da
Polícia Rodoviária Federal, previstos para 2021. Na gravação, o chefe do Executivo
deseja sorte aos estudantes e diz que vai empossá-los no ano que vem.
“Olá, estudantes da
AlfaCon. Vocês que estão se preparando para esse concurso para a Polícia
Federal, boa sorte, hein! Não é impossível, não. É difícil, e nós acreditamos
em você. Estamos juntos. E o ano que vem vou dar posse pra todos vocês. Valeu”,
disse Bolsonaro.
O conteúdo foi
postado duas vezes nos perfis do fundador e presidente do AlfaCon, Evandro
Guedes. Uma das publicações, contudo, já foi apagada. Nela, Guedes tinha colocado
a logo da escola junto à mensagem de Bolsonaro, no intuito de promover o
cursinho: “Ano que vem teremos 2000 vagas para PF e 2000 PRF! “Você não pode
arriscar estudar em outro lugar!” TAOKEY”, escreveu.
Possível crime
de responsabilidade
De acordo com
advogados consultados pela reportagem, a atitude de Bolsonaro viola a
Constituição Federal, porque um agente público precisa agir com impessoalidade,
probidade e neutralidade, e também vai contra o Código de Conduta da Alta
Administração Federal.
Professora de
direito internacional e comparado da Universidade de São Paulo (USP), Maristela
Basso alerta que Bolsonaro pode incorrer em crime de responsabilidade, que tem
força para motivar um processo de impeachment contra o presidente. “O agente
público tem que agir de modo impessoal e com probidade. (O vídeo) viola a
Constituição e a lei específica da responsabilidade”, explicou.
Para o criminalista
Conrado Gontijo, doutor em direito penal pela USP, é inadmissível o presidente
da República fazer propaganda de qualquer empresa. “Essa conduta viola a
impessoalidade, a probidade, o decoro que devem caracterizar o exercício da Presidência
e da função pública em geral. É mais um ato absurdo praticado por Bolsonaro,
que poderá ensejar a instauração de procedimentos para apuração da sua
responsabilidade”, reforçou.
O também
criminalista Fernando Castelo Branco, mestre em Direito Processual Penal pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), acrescentou que a
probidade do setor público e a desvinculação com entes privados e um elemento
essencial para o exercício da função presidencial.
“É evidente que o
presidente da República não pode ser garoto propaganda do que quer que seja,
desde um refrigerante até um cursinho de concurso para qualquer cargo público.
É uma aberração. Não se pode usar a função pública como um panfleto, um
outdoor, uma veiculação propagandística de interesses privados. Isso é
absolutamente inaceitável.”
O Correio questionou
a assessoria da Presidência da República sobre o vídeo, mas não recebeu retorno
até a última atualização desta reportagem. O espaço segue aberto para
manifestação.
Evandro Guedes e
a família Bolsonaro
O presidente do
AlfaCon é próximo à família Bolsonaro e já gravou vários vídeos ao lado do
deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Em 2018, antes do primeiro turno
das eleições, o filho do presidente da República ministrou uma palestra no
cursinho e fez críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Na ocasião, Eduardo
ameaçou a Suprema Corte caso a instituição decidisse impedir que o pai
assumisse o Palácio do Planalto se fosse eleito já em primeiro turno e declarou
que, para fechar o STF, bastava “um soldado e um cabo”.
“Aí já está
encaminhando para um estado de exceção. O STF vai ter que pagar para ver. E aí
quando ele pagar para ver, vai ser ele contra nós. Eu não acho isso (impugnar a
candidatura de Bolsonaro) improvável, não. Mas aí vai ter que pagar para ver.
Será que eles vão ter essa força mesmo? O pessoal até brinca lá: se quiser
fechar o STF, você sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um
soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo não”, afirmou o
deputado.
Eduardo ainda
debochou do Tribunal. "O que que é o STF, cara? Tira o poder da caneta de
um ministro do STF, o que que ele é na rua? Você acha que a população... Se
você prender um ministro do STF, você acha que vai ter uma manifestação popular
a favor do ministro do STF?", reclamou o deputado.
Incentivo à
violência
Ex-policial
militar, Guedes é conhecido por defender posições polêmicas em suas aulas. Em
abril deste ano, o presidente do cursinho incitou os alunos do AlfaCon a serem
agressivos caso consigam entrar para a carreira policial e compartilhou
experiências de quando era PM.
"Me perguntam:
'Já bateu em muita gente?' Já, inclusive nas putas. Entrava e todo mundo tomava
borracha. Você era violento na Polícia Militar? Muito violento. Evandro, você
já pegou dinheiro? Dinheiro, não. Sou honesto para caramba, mas porrada sobrou.
Homens, mulheres, velhos, crianças e adolescentes", disse.
Na mesma aula, ele
lembra um episódio de quando trabalhou na segurança do Maracanã durante um jogo
entre Flamengo e Fluminense. De acordo com Guedes, ele agrediu "um
favelado" que teria jogado uma lata com urina contra ele.
"Porra, mijo
de favelado. Aquela crioulada, todo mundo rindo. Foi o primeiro ato de execução
de maldade e crueldade que eu fiz. Ali eu descobri que gosto de bater nas
pessoas."
Em resposta, a
Secretaria de Com unicação do governo federal respondeu ao Correio que
"trata-se de mera mensagem de incentivo dirigida a pessoas que estão
estudando para concurso. É importante destacar que o Presidente da República
gravou um vídeo apenas desejando boa sorte para estudantes já matriculados na
instituição, ou seja, não houve nenhuma publicidade para o cursinho como o
escopo de aumentar número de alunos. Também não houve nenhum comprometimento de
aprovação dos alunos. A fala do Presidente é genérica e motivadora. Ademais, a
projeção de um futuro otimista é modo simpático de estimular o estudo para
possíveis futuros servidores públicos àqueles que tenham o objetivo de vir a
eventualmente desempenhar a nobre função. Portanto, não há que se falar em
violação aos princípios constitucionais de moralidade e da impessoalidade ou
quaisquer outros."
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