Brasil já teve 76
assassinatos políticos neste ano eleitoral
BRASÍLIA - Pré-candidato a vereador, o mototaxista e pequeno
empresário Leandro Xavier, de 34 anos, escreveu no Facebook que
pretendia renovar a política em Ituiutaba, no Triângulo Mineiro. Ele prometeu
combater a corrupção e dar "visibilidade total" ao seu mandato
nas redes sociais. Mais tarde, uma seguidora registrou que o filiado do PSC,
dono de uma distribuidora de gás na cidade, acabava de ser morto a tiros dentro
do estabelecimento. Quase cinco meses depois do crime, ocorrido em junho, a
Polícia Civil divulgou que o mandante foi Francisco Thomaz, do PTB,
presidente da Câmara Municipal. O parlamentar negou a acusação.
As disputas municipais deste ano estão sendo marcadas pelas
lives, pelas restrições impostas pela pandemia da covid-19 e
por uma velha tradição brasileira. De janeiro até agora, 76 brasileiros foram
assassinados por motivações políticas. Monitoramento feito pelo Estadão revela
que pelo menos 16 deles eram pré-candidatos e candidatos a vereador e dois
disputavam o cargo de prefeito. O número ultrapassa a média de 52 mortes
políticas nos dez processos de eleições municipais do atual período democrático
– em 1985, ocorreram disputas para apenas 201 prefeituras, incluindo as
capitais.
O gráfico dos assassinatos políticos em anos de eleições
municipais tem uma curva ascendente. Ao longo de todo o ano de 2016, 100
pessoas foram assassinadas em conflitos de poder político no País, número
superior aos registrados em 2012 (94), 2008 (82) e 2004 (31). Esses números
ilustram um quadro eleitoral composto por milícias nas periferias das cidades,
grupos de matadores no interior e a ausência do Poder Público no combate
específico à violência política. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
e o Ministério Público não apresentam estatísticas de mortes próximas da
realidade nem monitoram processos de casos de assassinatos no setor.
Antes do avanço da covid-19, já havia uma tendência de
elevado número de mortes políticas em 2020. Isso porque, no ano passado, 44
pessoas foram assassinadas em decorrência das discussões de poder, uma prévia
do drama do ano eleitoral. Esse número ultrapassou os 37 registros de 2015,
período anterior ao processo de maior índice de homicídios políticos.
Acusações
Uma live transmitida numa rua do centro de Patrocínio,
também em Minas, resultou em outra tragédia. Em
setembro, o candidato a vereador Cássio Remis, 37 anos, do PSDB, foi morto a
tiros por Jorge Marra, secretário de Obras e irmão do prefeito Deiró Marra, do
DEM. A família era acusada pelo tucano de usar máquinas da prefeitura em
fazenda particular. Em entrevista coletiva, o prefeito anunciou que manteria a
campanha à reeleição. Ele ressaltou que não podia ser responsabilizado pelo ato
de Jorge, que está preso. “Isso aqui não tem nada a ver com a campanha. Foi uma
tragédia. Eu me enluto com a família. É um fato que fatalmente pode acontecer
com qualquer um, qualquer cidadão”, afirmou.
As mortes não ocorrem apenas pelo calor das discussões nas
redes sociais e nos grupos de WhatsApp. Na tarde do último domingo, o
estudante Samuel Souza Leal, 19 anos, foi esfaqueado até a morte
após uma carreata dos candidatos do PTB em Ribeiro Gonçalves, no Piauí. A
principal linha de investigação da Polícia Civil aponta que Samuel morreu
durante discussão política com um tio. O petebista João Antunes, candidato a
prefeito, disse em nota que o crime não tem relação com a carreata.
No dia 15 deste mês, na cidade de Gurupi, Tocantins, Lucas
Alves Araújo, de 21 anos, estava num bar próximo ao comício de candidatos
do PSB quando um homem se aproximou e o metralhou. Ainda no dia 3, o agricultor
José dos Prazeres Marques, de Olho D'água das Flores, sertão de Alagoas, foi
morto por um segurança da prefeitura durante um comício.
Agiotas
A matança das eleições desde ano ainda pode levar meses. O
fechamento das urnas e o anúncio dos vencedores estão longe de representar o
fim das mortes políticas em decorrência da disputa de um determinado processo
de disputa. Uma segunda onda de violência ocorre no ano posterior ao dos
pleitos nas cidades. É quando agiotas começam a cobrar a juros o dinheiro
emprestado a candidatos. Geralmente morre o eleito que se recusa a não dar
cargos e destinar verbas para saldar a dívida e o perdedor endividado. Em 2017,
por exemplo, 58 pessoas foram assassinadas por motivações políticas nos
municípios.
Os Estados com mais casos de mortes políticas são o Rio (26
casos), Pará (8), São Paulo (6) e Alagoas (5).
A atuação das milícias cariocas contribuiu para o número elevado de homicídios
nos últimos anos. Em outubro, Domingos Barbosa Cabral (DEM)
e Mauro Miranda da Rocha (PTC), candidatos a vereador em Nova
Iguaçu, na Baixada Fluminense, foram assassinados. A polícia apontou que os
crimes estão ligados a uma disputa de milicianos por território. A repressão
aos possíveis envolvidos nos assassinatos foi sangrenta. Duas operações da
Polícia Civil e da Polícia Rodoviária Federal para prender suspeitos resultaram
na morte de quase duas dezenas de milicianos, que entraram em combate com a
tropa legal.
Monitor
Há sete anos, o Estadão monitora casos de
assassinatos de agentes políticos ocorridos desde a Lei de Anistia,
em 1979. São homicídios para garantir espaço na máquina pública e nas entidades
sociais, vingar a morte de um aliado ou tirar do jogo uma testemunha. O
levantamento não inclui casos passionais e latrocínios envolvendo políticos. O
trabalho pioneiro na área acompanha informações de tribunais de Justiça, cartórios,
organizações de direitos humanos e canais de partidos políticos e entidades
comunitárias. Os números podem ser corrigidos a cada nova informação histórica.
Ao longo dos períodos de abertura e democracia (de 1979 adiante), 1.569 pessoas foram mortas por motivações políticas no País. É uma morte a cada 9,5 dias. Em 2013, quando o jornal divulgou o levantamento pela primeira vez, um assassinato ocorria a cada 11 dias. Numa análise histórica, a violência encurtou em 36 horas a trégua média na batalha sangrenta.
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