Bolsonaro disse que estava proibida a discussão sobre o
programa Renda Cidadã até o fim do seu governo. Depois anunciou que o programa
será enviado em breve para votação no Congresso. Então o ministro Paulo Guedes,
da Economia, vetou as fontes de financiamento do programa – dinheiro da
Educação e calote no pagamento de precatórios.
Em menos de uma semana, descobriu-se que por enquanto não há
como se lançar o programa e que é melhor deixar para fazê-lo depois das
eleições ou em 2021 Quer retrato melhor do desgoverno Bolsonaro? Tem outro
também que acabou de ser revelado. A Amazônia teve o segundo pior setembro de
queimadas da última década, e o Pantanal o pior mês de sua história.
O presidente conseguiu ser desmentido quase que em tempo
real. Na última quarta-feira, em vídeo destinado à Cúpula da Biodiversidade das
Organizações das Nações Unidas, ele disse que não pode aceitar o que classifica
de “informações falsas e irresponsáveis” que desconsideram “as importantes
conquistas ambientais” alcançadas pelo Brasil em benefício do mundo.
Pois é. Quem nega realidade passa vergonha, mas ele não
liga. Está acostumado.
Nosso Kássio virou um peão na mão dos seus patrocinadores
Bolsonaro é obrigado a defender-se nas redes sociais
Bom de faro, o senador Ciro Nogueira, presidente do Partido
Progressista (PP) e um dos líderes do Centrão, aliado de todos os governos que
passaram por ele e os que um dia ainda possam passar, conterrâneo e avalista
número um do próximo ministro do Supremo Tribunal Federal, Kássio Nunes
Marques.
Em junho do ano passado, quando Marques era vice-presidente
do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, em Brasília, Nogueira profetizou
durante uma solenidade:
– Nosso Kássio é uma figura respeitadíssima no mundo
jurídico hoje. Tenho certeza de que vai chegar aos tribunais superiores. É uma
figura muito querida.
“Nosso Kássio” virou senha para senador disposto de antemão
a aprovar a indicação de Marques para a vaga do ministro Celso de Mello, que se
aposenta no próximo dia 13. A sabatina obrigatória será uma mera formalidade.
Direita e esquerda votarão unidas com algumas raras exceções para não dar tanto
na vista.
Só bolsonaristas de raiz, que acreditaram no conto do
ministro “terrivelmente evangélico”, ainda resistem aos encantos do “nosso
Kássio”, um católico de boa cepa. Ou às conveniências que ditaram a sua
escolha. A esses, o presidente Jair Bolsonaro dedicou sua live das noites das
quintas-feiras no Facebook.
“Todo mundo aqui ao longo de 14 anos de PT teve alguma
ligação. Não é por isso que o cara é comunista, é socialista”, explicou
Bolsonaro. “Vão desqualificar só porque ele deu uma liminar para retomar o
cardápio do Supremo? Não tem nada demais comer lagosta. Qual é o problema? Quem
pode, come.”
E disse mais: “Você quer que eu troque o Kássio pelo Sérgio
Moro? Vocês querem o Sérgio Moro ministro do Supremo? Será que ele vai ser um
ministro leal às nossas causas? Será que ele vai ser aprovado no Senado?”.
Bolsonaro sabe que Moro poderia ser rejeitado pelo Senado, mas não foi por isso
que se livrou dele.
As cobranças dos devotos e as respostas às pressões
oferecidas pelo presidente da República mostram a que patamar baixou o processo
de nomeação de um ministro da mais alta Corte de Justiça. O Brasil de Bolsonaro
envergonha quem antes levava o país a sério. Um dos seus produtos: o Real foi a
pior moeda global em 2020.
Se temos na presidência um paraquedista que nunca leu um
livro, nem mesmo as memórias do coronel torturador Brilhante Ulstra; que foi
afastado do Exército porque planejou jogar bombas em quartéis; que é ligado a
milícias e suspeito de ter-se beneficiado de rachadinhas; nada mais pode causar
estranheza.
No passado, o Supremo foi um templo de juristas consagrados
que ali chegavam para coroar suas carreiras. Hoje, entra qualquer um – de Dias
Toffoli, duas vezes reprovado em exames para juiz, ao “nosso Kássio” que
batalhava por uma vaga no Superior Tribunal de Justiça e que se credenciou a
beber tubaína com Bolsonaro.
Mas ele é “um garantista”, dizem a seu favor. Não tem maior
empulhação do que essa história de juiz garantista e juiz não garantista.
Garantista de quê? Do que manda a Constituição? Ora, diabos! Respeitar a
Constituição não é pré-requisito para que alguém possa vestir a toga e ser
respeitado como juiz?
Em editorial, o jornal O Estado de S. Paulo resgatou
palavras dirigidas por Paulo Brossard ao então presidente Itamar Franco sobre o
processo de escolha de seu substituto no Supremo:
“Pode ocorrer que surjam candidatos, mas é preciso não
esquecer que ninguém, por mais eminente que seja, tem direito de postular o
cargo, que não se pleiteia, e aquele que o fizer, a ele se descredencia”.
O “nosso Kássio” é o menos culpado pelo modo como se dará
sua ascensão. Virou um peão nas mãos de Bolsonaro e dos seus demais
patrocinadores.
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