domingo, 25 de outubro de 2020

BOLSONARO É A EPIDEMIA

Cristina Serra, Folha de S.Paulo

O ano está quase no fim e me pergunto: como resumiria este 2020, que mudou nossas vidas para sempre? As covas coletivas abertas por escavadeiras encerram numa única imagem a nossa desventura. Mais de 155 mil mortos.

Não precisava ser assim. Mas o capitão cloroquina fez o que pôde para ajudar o vírus. Sabotou a quarentena, promoveu aglomerações, boicotou as máscaras e distribuiu perdigotos. Demitiu ministros, não testou o suficiente, menosprezou a ciência. Como continua fazendo, ao questionar a qualidade de uma vacina e estimular um surreal movimento contrário à imunização.

Mais de um século nos separam do episódio que ficou conhecido como a Revolta da Vacina. Em novembro de 1904, um motim popular explodiu no Rio de Janeiro em rejeição à obrigatoriedade da vacinação contra a varíola. Houve mortos, feridos e prisões. O contexto era de protestos contra uma reforma urbana e sanitária imposta a ferro e fogo.

Entre a sublevação de 1904 e hoje, o Brasil construiu sólida reputação no combate a doenças infecciosas, com as mentes brilhantes de Oswaldo Cruz, Carlos e Evandro Chagas, Vital Brazil e Adolfo Lutz, para citar só alguns. O Programa Nacional de Imunizações tornou-se patrimônio nacional. Criado nos anos 1970, fortaleceu-se com o SUS, universalizou a vacinação e erradicou doenças.

Pouco importa se Bolsonaro ataca a vacina de origem chinesa por vassalagem a Trump ou cálculo eleitoral contra um adversário político, no caso, Doria. Muito mais grave é saber que a confusão e o descrédito que tenta lançar contra a imunização se inscrevem num ataque amplo e ininterrupto contra a ciência e o conhecimento que salvam vidas.

O mundo inteiro espera a vacina, seja qual for sua procedência, porque é a única maneira de voltarmos a viver em algum nível de normalidade. Em sua parvoíce profundamente entranhada e da qual se orgulha, Bolsonaro tornou-se um agente da infecção, um parceiro do vírus. Tornou-se, ele próprio, a epidemia.

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